Ruim mesmo é ter de aguentar a impertinência de Jader Barbalho jactando-se de ter tido votos (1,8 milhão) em quantidade superior às assinaturas (1,6 milhão) recolhidas em apoio à Lei da Ficha Limpa. Inclusive porque não é verdade: depois da apresentação formal da proposta à Câmara, a iniciativa recebeu mais de 5 milhões de adesões via internet.
Tirando isso e alguma frustração pelo fato de o Supremo Tribunal Federal não ter seguido, no voto de desempate do ministro Luiz Fux, a orientação que adota desde 1989, de que condições de elegibilidade não estão submetidas ao princípio da anterioridade e, portanto, não precisam estar em vigor um ano antes das eleições, está tudo nos conformes.
O Congresso foi obrigado a fazer o que a maioria dos parlamentares não queria, instituindo uma barreira para candidatos com contas em aberto na Justiça, e a lei já foi genericamente considerada constitucional pelo STF.
Há, é verdade, pontos que ainda podem vir a ser contestados isoladamente por candidatos que se sentirem prejudicados. Por exemplo: são válidos julgamentos feitos por conselhos profissionais? Os prazos de punição não seriam exorbitantes? Condenações por improbidade administrativa, como prevê a lei, podem cassar uma candidatura? E atos cometidos antes da aprovação da lei podem ser levados em conta?
São questões que suscitam polêmica. O ministro Marco Aurélio Mello já se manifestou contra a aplicação da inelegibilidade retroativa. Mas o senador Demóstenes Torres, procurador de Justiça, lembra que o Supremo aceitou o princípio de que a lei pode "retroagir para prejudicar" quando declarou constitucional a cobrança de contribuição para os inativos da Previdência Social.
Que a lei vale é fato, mas é fato também que o STF será instado a voltar a se pronunciar por provocação dos candidatos que se enquadrem na categoria "ficha-suja" e, portanto, caberá ao tribunal zelar pela aplicabilidade da lei.
A julgar pela posição da maioria do tribunal e das saudações feitas ao seu objetivo exceção feita a dois ou três ministros que não nutrem simpatia pela quebra da presunção de inocência até que os processos transitem em julgado , há relativa segurança de que a Justiça não vai torná-la letra morta na prática.
De qualquer modo, conviria à sociedade manter-se mobilizada em torno da validade do preceito geral: o de que, como disse o ministro Ayres Britto, "o político que desfila pelo Código Penal com sua biografia não pode ter a ousadia de se candidatar". Ou seja, quem pretende exercer mandato representativo não pode carregar consigo folhas corridas.
Tal exigência não tem nada a ver com agressão aos direitos das minorias nem fere princípios democráticos. De novo, o exemplo já batido, mas incontestável: se é vedado o acesso de processados aos concursos públicos, por que autorizar o ingresso de condenados por órgão colegiado ao Congresso?
Isso não significa dizer que devam ser alimentadas as manifestações de ira ou menosprezo ao Supremo. Tampouco são aceitáveis como resultado de frustração popular conclusões segundo as quais a indiferença à vida política seja o melhor remédio, dado que "nada muda mesmo".
Cumpre lembrar que ministros do Supremo não tomam decisões baseados em vontades pessoais. Interpretam a Constituição. O Congresso, se quisesse, poderia ter votado uma lei semelhante há mais tempo propostas em tramitação no Legislativo não faltavam para isso e de forma juridicamente mais perfeita.
Bem como poderia, mediante reforma do sistema eleitoral, dar ao eleitor instrumentos efetivos de punição pelo voto.
Da parte da sociedade, a existência do debate em torno de uma questão até a aprovação da Lei da Ficha Limpa relegada a um segundo plano, sem sombra de dúvida ajudará o eleitorado a fazer a sua parte na hora de escolher o candidato.
Ademais, não seria a simples aprovação de uma lei que de uma hora para outra modificaria uma dinâmica malsã arraigada desde os primórdios da República.
Democracia é assim mesmo: dá um trabalho danado, requer paciência, mas vale o esforço.
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