Dizer que Dilma Rousseff não entendeu direito a essência da reação crítica à sua escala técnica de 15 horas em Lisboa para abastecer o avião que a levava da Suíça a Cuba seria menosprezar a capacidade da presidente (e de seus conselheiros) de tergiversar.
Como qualquer ser humano dotado de um mínimo de habilidade cognitiva, ela compreendeu perfeitamente do que se trata. Mas, convenientemente, preferiu dissertar de maneira professoral sobre a divisão da despesa entre os participantes do jantar no restaurante Eleven, na capital portuguesa.
"Eu escolho o restaurante que for porque eu pago a minha conta", iniciou ao seu peculiar modo autossuficiente, para continuar austera "não há a menor condição de eu usar o cartão corporativo e misturar o que é consumo privado e público" e encerrar em figurino exemplar: "No meu aniversário [em Moscou] eu também paguei. Tem gente que acha esquisito uma presidente dividir a conta. Acho isso extremamente democrático e republicano".
E por aí foi detalhando suas exigências na partilha dos gastos com almoços e jantares; falou sobre a autonomia de voo da aeronave presidencial (um problema também enfrentado pelos governos do México e da Argentina, ficamos sabendo) e das escalas cogitadas até a opção por Portugal.
Como se as questões em tela fossem essas. Pagar a conta do restaurante em compromissos privados pode até não ser um hábito entre autoridades brasileiras, mas trata-se de uma obrigação. E, no caso, de um instrumento de rodeio.
As despesas de hospedagem em dois hotéis de luxo suíte presidencial a R$ 26 mil e transporte da comitiva ficaram fora da dissertação presidencial. Assim como ficaram e ficarão longe da vista e dos ouvidos dos cidadãos por que, por determinação da zelosa presidente, os gastos com viagens presidenciais passaram a ser incluídos entre as informações a serem mantidas em sigilo.
E é desse segredo que se cuida. A ele também se dá o nome de ausência de transparência, que fere o artigo 37 da Constituição onde estão previstos os pressupostos a serem obedecidos pelos ocupantes de cargos na administração pública.
O argumento da Presidência ao baixar a norma foi a genérica alegação de razões de segurança. É de se perguntar no que a segurança presidencial estaria ameaçada se o público soubesse o quanto está pagando pelas despesas das comitivas oficiais mundo afora.
Mas a presidente não reivindica apenas o direito de gastar sem dar satisfação. Quer, nessas viagens, aproveitar as escalas técnicas para passear e ter alguns momentos de lazer como "cidadã comum", longe dos olhos da imprensa. Vale dizer, do país.
Por esse método, desde 2012 fez seis paradas que só apareceram depois na agenda oficial. Desta vez, soube-se que estava em Lisboa porque o jornal O Estado de S. Paulo descobriu. A Presidência justificou que a decisão havia sido tomada de última hora, no sábado, e o governo português desmentiu; fora avisado na quinta-feira.
Não há outro jeito de dizer: o governo brasileiro mentiu. E a presidente da República, cobrada, fez-se de desentendida. Não há razão para isso.
Se a chefe do governo quer momentos de folga em suas viagens internacionais, deveria dizer isso com clareza, sem usar o subterfúgio da parada técnica porque o reabastecimento do avião é algo a ser resolvido com alguma rapidez.
Não é preciso desembarcar a comitiva, transportá-la, hospedá-la, proporcionar-lhe lazer e levá-la de novo ao cumprimento da próxima etapa de trabalho. O fato de nesse meio tempo cada um pagar a sua parte na conta do restaurante, francamente, é o de menos.
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