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Hoje à noite o Brasil terá novo presidente. De­­­pois de oito anos de Pre­­­sidência "irradiada" – como se dizia na era das transmissões exclusivamente radiofônicas – daqui a dois meses o país volta ao normal em termos de conduta presidencial.

A menos que Luiz Inácio da Silva pretenda substituir-se ao presidente – seja como chefe da oposição ou como tutor da chefe da Nação – e ocupe todo dia algum microfone por alguma razão, chega ao fim um período peculiar no que tange à figura de alguém que fez da Presidência um exercício de egolatria.

Daí a singularidade da campanha eleitoral que ontem chegou ao fim, exatamente no molde pretendido por Lula: uma guerra desprovida de conteúdo político (na melhor acepção do termo), na qual o que menos importou foram os atributos dos candidatos e os respectivos projetos de país.

Sinal mais expressivo é que nenhum dos dois se deu ao trabalho de expor ao eleitorado um plano de governo bem explicado e detalhado. E pelo pior dos motivos: medo de criar polêmica e, com isso, prejudicar as chances de vitória.

Embromaram no que seria substantivo e capricharam no adjetivo, no "aqui e agora" do embate. Diga-se, por sinal, que esse tipo de atitude seria impossível se o voto fosse facultativo, com os candidatos precisando lutar pelo interesse do eleitor.

Prevaleceu uma disputa na qual o eleitor foi ora espectador, ora massa de manobra, ora inocente útil, e Lula, o protagonista.

A sociedade foi ativa ao provocar um segundo turno?

É relativo: o segundo turno é da regra, sempre esteve no cenário. Representou apenas um fato surpreendente em relação ao quadro de artificialismo triunfante criado pela máquina de propaganda governamental em conjunto com pesquisas, cujos números acabaram se mostrando excessivos no tocante ao favoritismo da candidata oficial.

Lula conseguiu exatamente o que queria ao se impor como a figura central da campanha. Não lhe importa a evidência de que isso significa uma deformação institucional. Por si fácil de ser entendida, mas podemos ilustrar com o exemplo mais ou menos recente da então presidente do Chile, Michelle Bache­­let, que mesmo popularíssima perdeu a eleição. Só não perdeu a compostura

Para não ir longe, mas recuando bem mais no tempo, tivemos aqui Fernando Henrique Cardoso na transição civilizada para o PT. Mérito? Só porque a comparação é com Lula, pois de verdade seria uma obrigação.

Fragilizado politicamente, José Sarney ficou distante da eleição de 1989 servindo apenas de muro de pancadas dos muitos candidatos da época.

Itamar Franco não jogou o governo na luta pelo sucessor. Fernando Collor, com toda ausência de zelo pela coisa pública e arrogância doentia, enfrentou o período de acusações, investigações e impedimento sem fazer um centésimo do que Lula fez em matéria de abuso da máquina pública.

Pintou e bordou como nunca se viu diante de parte da sociedade perplexa, parte embasbacada, parte inebriada com a chance de comprar e crente que tudo se deveu à vontade, à coragem e à sensibilidade social de Lula.

Fez e aconteceu nas barbas da Justiça Eleitoral totalmente leniente e de um Ministério Público ausente.

Usou governo, ministros, capacidade de pressão, ludibriou e ainda se fez de ofendido quando a oposição resolveu parar de apanhar calada. Conseguiu que, ao final, a impressão fosse de "baixarias de parte a parte".

Quem fez campanha ilegal por dois anos e transgrediu fora do limite de qualquer responsabilidade? Pois é.

Na regra limpa, no mano a mano, Dilma Rousseff teria chegado aonde chegou? Pois é.

Pode-se argumentar que os presidentes citados, à exceção de Itamar, foram derrotados pelas circunstâncias.

Lula saiu vencedor, no mínimo no quesito popularidade. Falta ainda esperar que a História conte a história toda: aquela parte que fala da credibilidade e fica para sempre.

Abstenção

Hoje não é demais repetir: "O maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam". Arnold Toynbee.

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