Em princípio, nenhum inconveniente há no fato de a ministra-chefe da Ca­­­sa Civil comparecer a uma inauguração de obra custeada exclusivamente com recursos de governo estadual. Governado­­­res, prefeitos, qualquer um pode convidar a ministra Dilma Rousseff ou quem quer que seja para suas festividades oficiais.

CARREGANDO :)

Na condição de mera candidata não haveria nada demais na presença da ministra Dilma Rousseff na entrega do Hospital da Mulher Heloneida Studart à população de São João de Meriti, na Baixada Fluminense. O governador Sérgio Cabral Filho faz a gentileza que quiser para quem bem entender.

Desde que não o faça ao molde de campanha política financiada pelo contribuinte, bem entendido. Nem dentro muito menos fora do prazo permitido para propaganda de candidatos.

Publicidade

Por um motivo bem objetivo: isso fere a Lei Eleitoral e afronta a Constituição no que tange à obrigação de o poder público se pautar pelos princípios da impessoalidade, probidade e transparência.

Impessoalidade significa governar para todos igualmente sem privilégios partidários, de amizade, parentesco ou de quaisquer interesses que não o desempenho da função.

Probidade significa o uso dos recursos públicos com lisura e em benefício do público pagante.

Transparência implica conduta franca, relação de confiança com o eleitor que lhe conferiu a delegação por voto e o contribuinte que sustenta suas atividades.

Nenhum desses preceitos foi observado no último sábado na cerimônia em que o governador recebeu Dilma Rousseff no primeiro ato estrelado por ela sem a companhia do presidente Luiz Inácio da Silva, desde que foi sagrada pré-candidata do PT à Presidência da República no congresso do partido, em 19 de fevereiro.

Publicidade

O governo do Rio de Janeiro organizou um comício, chamou ministro, prefeitos, deputados, vereadores. Pôs uma obra estadual a serviço de uma candidatura em evento com carros de som, militância, discursos de exaltação, manifestações de apoio, distribuição de lanches e desfaçatez suficiente para sustentar a negativa de que houvesse intenção eleitoral.

Distante alguns quilômetros, a Petrobras patrocinava uma manifestação em plena praia de Copacabana a pretexto de anunciar uma parceria da empresa com a Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres.

Desde quando uma ação dessa natureza requer um ato público com direito a discurso da diretora de Gás e Energia exaltando os talentos da "nossa candidata"? Desde que o presidente Lula passou a testar repetidamente as balizas da Justiça Eleitoral e obteve em resposta a absoluta leniência do Tribunal Superior Eleitoral para com ações de cunho eleitoral acrescidas de uso explícito da máquina pública em prol de uma candidatura.

Na Baixada, o governador celebrava a possibilidade da eleição "dessa mulher", nas palavras dele, comandante "do processo de transformação do Brasil como nunca se viu antes". Desnecessário citar o nome, pois ela estava ali mesmo e era objeto dos pedidos de votos feitos por militantes partidários e integrantes de ONGs.

Tudo devidamente registrado nos jornais.

Publicidade

Tudo em completo desacordo com o que dizia o presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto, em entrevista que circulava na edição daquele mesmo dia no jornal O Estado de S. Paulo.

"Este não é o momento de impulsionar candidaturas", pregava Ayres Britto, explicando que a proibição existe para evitar a "perturbação" do funcionamento da máquina pública, porque a propaganda antecipada propicia a mistura de atos administrativos com campanha eleitoral.

Cruzamento de propósitos este que, segundo o presidente do TSE, "viola o princípio constitucional da impessoalidade e torna desequilibradas as forças dos candidatos".

Entrou no detalhe: "O que se proíbe é que as chefias executivas passem a administrar a máquina pública na perspectiva de uma candidatura e de uma sucessão, aproveitando a entrega de obras para incensar candidatos."

É fácil ligar a tese defendida pelo presidente do TSE à realidade corrente, pois não?

Publicidade

A chefia do Executivo federal há praticamente dois anos administra a máquina pública na perspectiva de uma candidatura e de uma sucessão, aproveitando obras para incensar a candidata por intermédio da qual o presidente Lula quer dar prosseguimento ao seu projeto de poder.

Ainda que não cite nomes, é evidente a referência do ministro Ayres Britto. Mesmo assim, a Justiça Eleitoral tem considerado insuficientes as provas apresentadas pela oposição em seus recursos ao tribunal, por se basearem em relatos da imprensa. É de se perguntar como seriam documentadas as evidências de outro modo.

Na prática, a sem-cerimônia do presidente da República já produziu seus efeitos como se viu no último sábado, no Rio.

Outras transgressões do mesmo gênero virão e o que se avizinha é que a Justiça Eleitoral, tão rigorosa com governadores, prefeitos e vereadores cassados por abuso de poder, acabe vendo o método Lula de transgredir, e não sua pretendida austeridade, prevalecer nessa campanha.