A intenção dos idealizadores da fotografia da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, sorridentes e de mãos entrelaçadas na biblioteca do Palácio da Alvorada, era mostrar que não havia divergências entre os dois. Os artífices das boas novas acabaram mostrando muito mais: a ausência de qualquer resquício de respeito às balizas da legalidade e da impessoalidade exigidas pela Constituição à administração pública.
Estava tudo errado naquela reunião. O tema, os participantes, o local, nada combinava com nada à luz do bom senso, da compostura e da normalidade institucional. O encontro foi marcado no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência, para discutir a crise do governo com o PMDB e suas variantes relacionadas às mudanças nos ministérios e às alianças eleitorais nos estados.
Sentados à mesa, a presidente da República, seu antecessor, o chefe da Casa Civil, o chefe de gabinete da Presidência, o marqueteiro do governo e da campanha da reeleição, o presidente do PT e coordenador-geral da campanha, o ex-ministro de Comunicação e chefe da área de internet da campanha e o tesoureiro da campanha.
A condução da reforma ministerial é tarefa de governo, até onde a vista dos normais alcança. Com função governamental na mesa havia quatro pessoas, entre elas a presidente Dilma; as outras quatro, entre elas o ex-presidente Lula, têm atividades político-partidárias que, em tese, deveriam ser desenvolvidas a prudente distância do governo.
Se não é assim, isso quer dizer que a presidente reconhece que apenas adapta seu ministério às conveniências eleitorais. Seria seu dever. Mas, com boa vontade admitamos que seja um direito dela. Nesse caso, seria uma obrigação que soubesse separar os assuntos de governo da agenda eleitoral e que não tratasse de tudo junto e muito misturado, deixando que as dependências do Palácio funcionem como um escritório de campanha. Ao ponto de caracterizar um uso sem disfarce da máquina pública, numa foto em que todos riem, divertem-se e aparecem como se tivessem fazendo um grande lance, reunidos para combinar como lidar com as "chantagens" e malvadezas em geral do PMDB.
Ora, vamos com calma. Há o jogo de pressão dos peemedebistas. Mas isso não dá ao PT e muito menos ao governo uma salvaguarda para agir como bem entender ao arrepio de quaisquer normas. Escritas e não escritas. Ali na biblioteca do Palácio da Alvorada posaram todos como verdadeiros donos do pedaço.
Enquanto transcorria a reunião dos inimputáveis, a Justiça Eleitoral concedia liminar mandando tirar do ar uma página no Facebook sobre o governador Eduardo Campos por propaganda antecipada. O site tinha mesmo cunho eleitoral, o que é proibido antes de 5 de julho. Portanto, era o que tinha de ser feito. Mas há coisas que deveriam e não estão sendo feitas. O uso da máquina pública é vedado pela lei a qualquer tempo. Esse dispositivo vem sendo permanentemente desrespeitado sem que o Ministério Público tome conhecimento.
Como não há freio, a infração se repete, os infratores ficam cada vez mais à vontade para agir como se não houvesse regras a obedecer. E ainda há, no governo e na oposição, quem culpe o instituto da reeleição por esse tipo de atitude. Como se o fim da reeleição fosse capaz de impedir que o governante mal intencionado usasse a máquina para beneficiar o candidato à sucessão e seu grupo político.
O abuso patrimonialista, nunca é demais repetir, não nasceu no Brasil em 1997 quando foi aprovada a emenda da reeleição. Sabemos, é bastante anterior e, por isso, muito arraigado aos nossos costumes que não serão modificados mediante o retorno ao mandato único nem à reforma política que não reforma certos políticos.
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