Em projetos bem delineados de poder não há coincidência nem acaso. Descontados eventuais erros de cálculo, predomina a estratégia. Cada passo é pesado e medido de acordo com o objetivo pretendido.
Quando surgiu em meio ao episódio Antonio Palocci combinando atritos em toda a base por causa da desatenção da presidente Dilma Rousseff em relação ao Congresso, o ex-presidente Lula mais atrapalhou que ajudou.
A despeito das pesquisas de opinião mostrando que a maioria vê com bons olhos atos do antecessor que venham a compensar deficiências da sucessora, naquele momento não estava em jogo esse tipo de avaliação.
Mais importante era a percepção do mundo político, e a parcela mais bem informada da população permanentemente engajada no acompanhamento do desempenho governamental.
Para esse setor o resultado foi o oposto do pretendido, pois contribuiu para a fragilização da imagem da presidente como responsável pela condução do barco.
Refeito o cálculo, Lula recolheu-se e ficou na retaguarda.
Semana passada, em meio ao pesado charivari político-policial no Ministério dos Transportes, Lula reapareceu. Mas o fez em nova roupagem.
Já não mais se apresentou como o interlocutor dos partidos da base governista, no que foi criticado por, na prática, usurpar o poder de Dilma.
Ressurgiu em seu mais competente personagem: o de líder de massas, animador e exímio criador de cenários paralelos capazes de dividir, quando não desviar, as atenções do que requer foco e seriedade.
Enquanto em Brasília a presidente se via às voltas com a recalcitrante crise no PR, com atitudes ora elogiáveis, ora condenáveis, ora incompreensíveis, Lula atraía para si boa parte do noticiário com shows onde o sucesso é garantido: congressos da União Nacional dos Estudantes e da União Geral dos Trabalhadores, no Rio e em São Paulo.
Não fez nada de extraordinário. Apenas repetiu o que costumava fazer quando presidente. Na UNE redesenhou um conflito com a imprensa, a fim de levantar o estandarte do inimigo a ser combatido (qualquer um, menos o governo).
Na UGT levou ao delírio o auditório atacando as elites que "não se conformam" que o trabalhador possa comprar carro, eletrodomésticos e andar de avião.
Sem dizer quem é contra a inclusão de brasileiros no mercado de bens e serviços nem esclarecer que o estímulo desenfreado ao consumo sem planejamento e investimento em estrutura para sustentá-lo, produz desconforto urbano e serviços de baixa qualidade. Para todos.
Lula não pode ser criticado por continuar a atuar politicamente depois de deixar a Presidência, embora não confira o mesmo direito a outros que, para ele, devem se recolher ao ostracismo como sinal de boa vivência na condição de ex-presidente.
Mas os movimentos de Lula podem e devem ser analisados à luz de suas intenções. A maioria interpretou que ele está em campanha. Parece pouco: ele nunca deixou de fazer campanha, dado que sua lógica é sempre eleitoral.
Disseram também que já abriu a temporada de caça de votos para 2014. Parece precipitado: tanto que quando Dilma ou Lula fazem referência à hipótese de a presidente concorrer à reeleição as análises sobre a certeza da volta em 2014 imediatamente adotam o pressuposto contrário e não param mais em pé.
A eleição presidencial será definida mais à frente. O que se tem agora é um governo representativo de uma etapa a ser cumprida em nome do projeto de poder referido lá no início.
É a essa etapa que Lula se dedica agora. Tocando esse projeto no papel que desempenha melhor: o de ilusionista. Enquanto o governo se debate com dificuldades reais, Lula rodopia país afora criando uma realidade paralela de ufanismo e reforçando nas mentes que ele está firme no papel de garantidor do Brasil por ele inventado.
Assegura o eleitorado de sempre, não deixando espaço para a oposição se aproveitar das deficiências da sucessora. Dilma, de seu lado, faz o que pode no sentido oposto, de um jeito meio atrapalhado, mas ao gosto de quem não gosta de Lula.
Na hora da eleição, será somar dois mais dois, e se der cinco, como ensina o livro do MEC, melhor ainda.