No governo José Sarney o nome do presidente era sinônimo de crise. Ficou famosa frase do então senador Fernando Henrique Cardoso "a crise viajou" numa ocasião em que se referia à ausência dele do país.
Em circunstâncias distintas Dilma Rousseff vai cumprindo o mesmo destino. Diferença fundamental é que Sarney governava em ambiente de inflação alta, economia desorganizada, vaivém de planos econômicos e um Congresso Constituinte todo-poderoso, protagonista absoluto da cena política e social.
O que seria uma vantagem, na comparação, acaba contando pontos contra a presidente, que conta com estupenda maioria na Câmara e no Senado, fundamentos da economia postos, popularidade alta e oposição desarticulada.
Em tese, portanto, Dilma teria tudo para governar com relativa tranquilidade, em ambiente de brandura.
Na prática, porém, o que se vê é um permanente alvoroço. Em seis meses desde a posse há no país crises demais e governo de menos sob a gerência de Dilma.
E isso porque a oposição não lhe cria problema algum, ao contrário: há semanas não faz outra coisa que não seja se embasbacar com uma carta enviada à figura mais alta do maior partido adversário que, no entanto, já não pretende mais disputar o poder.
A sociedade guarda dela uma boa imagem por ser mulher, "durona", nada afeita às deselegâncias do antecessor etc. e a imprensa, se já não saúda seu "estilo" como nas primeiras semanas, ao menos lhe dá o benefício da dúvida.
Não obstante as condições favoráveis, o que se tem é uma rotina preocupante de avanços inúteis e recuos desnecessários.
São seis meses e seis revezes. O mais grave, por erro de condução do próprio governo, produziu nada menos que a perda do chefe da Casa Civil em episódio de hesitação presidencial ao longo de 23 dias. Só aí, foi-se quase um mês.
Houve a administração atabalhoada da votação do Código Florestal na Câmara, houve o tira e põe em relação à Lei de Acesso à Informação (sigilo eterno de documentos oficiais), houve o episódio das emendas parlamentares remanescentes de 2009, há ainda preocupação com o comportamento dos aliados em relação a uma possível convocação do ex-diretor do Banco do Brasil Expedido Veloso para falar sobre a participação do ministro Aloizio Mercadante na operação aloprados e agora houve a crise no Ministério dos Transportes.
Demitido ontem em função do surgimento de novas provas de corrupção na pasta, Alfredo Nascimento esteve por dois dias como cadáver insepulto que 48 horas antes figurara em nota oficial da Presidência como merecedor de "toda a confiança" por parte da chefe do governo.
Dá a impressão de que ou o governo não tem todas as informações ou não se dispõe a usá-las, a menos que saiam na imprensa.
Se o plano original era demitir, e era, pois do próprio Palácio do Planalto saíam informações de que Nascimento não emplacaria o fim de semana no cargo, por que a nota? Por que a expressão de confiança, por que o titubeio?
Para nada, a não ser para aumentar a nada lisonjeira série de mandos e desmandos de uma presidente a caminho de consolidar a suspeita de que não fazia a mais pálida ideia do que a esperava quando aceitou se candidatar à Presidência sem experiência real de poder, desprovida da compreensão de que o trato competente da política numa democracia não é uma escolha. É um imperativo.
Bom combate
O senador Mário Couto bateu-se ferrenhamente por longo tempo no Senado contra a indicação de Luiz Antônio Pagot para a diretoria-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), denunciando a conduta que viria a resultar em sua demissão.
Couto combateu só, sob a complacência silente de seus pares, que agora, com a volta de Alfredo Nascimento à Casa, conviverão como iguais com um ministro demitido por denúncia de corrupção.
O fato de não ser o único nessa condição a transitar pela República não ameniza. Antes agrava a situação daquilo que certa vez o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Melo definiu como "a rotina de desfaçatez" que assola o Brasil.
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