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É a aplicação da lógica reivindicatória sindicalista à tarefa de administrar a máquina pública. É a concepção de que, de um lado, há uma população para pagar a conta e, de outro, governantes para fazer o serviço de gestão da forma mais fácil possível: com dinheiro de sobra.

Desse jeito não há articulador político que dê jeito nas dificuldades que o governo enfrenta para aprovar a CPMF. Se o presidente da República em pessoa vem a público dizer – como fez em entrevista ao Globo – que governar é gastar, contratar, aumentar salários e engordar o Estado, que o Brasil está forte na economia, que não há risco no abastecimento de energia e que os serviços públicos melhoraram muito, como convencer os resistentes da necessidade premente dos R$ 40 bilhões do imposto? Isso no momento em que os dados da Receita mostram um crescimento de quase igual montante na arrecadação federal.

As palavras do presidente deram razão aos oposicionistas, empresários e alguns especialistas que apontam o momento como adequado para acabar com a CPMF e acusam o governo de não abrir mão porque precisa de margem para gastar muito e à vontade a fim de ou facilitar a eleição de um sucessor petista para Lula ou conferir viabilidade a alguma espécie de continuísmo – na forma de terceiro mandato ou prorrogação.

Gestão do Estado, na visão de Luiz Inácio da Silva, não é administrar dificuldades nem fazer o Estado caber dentro das suas possibilidades e da capacidade de seus cidadãos de sustentá-lo. É aumentar cada vez mais a arrecadação, contratar um número cada vez maior de servidores, pagando-lhes ótimos salários, como se a qualificação e a eficácia resultassem dessa simples equação.

É a aplicação da lógica reivindicatória sindicalista à tarefa de administrar a máquina pública. É a concepção de que, de um lado, há uma população para pagar a conta e, de outro, governantes para fazer o serviço de gestão da forma mais fácil possível: com dinheiro de sobra.

Ora, assim qualquer um faz qualquer coisa. Anos atrás, dois capitães da indústria da comunicação (impressa) planejaram se juntar para comprar o Jornal do Brasil, então em dificuldades intransponíveis.

A idéia de um deles – falecido não faz muito tempo – era gastar o mínimo possível, de preferência, nada. Diante da estranheza do parceiro, ensinou: "Fazer negócio com muito dinheiro é fácil, todo mundo faz. Gastando pouco é preciso ciência." Essa visão de poupar e realizar administrando a escassez requer talento para estabelecer prioridades, manejar os recursos existentes reduzindo custos e, ainda assim, obter bons resultados.

Não é esta a concepção do presidente, que na entrevista revela ojeriza à navegação na adversidade, revela seu desapreço ao contribuinte e firma fileiras ao lado da concepção de que dinheiro público é dinheiro de ninguém e, portanto, admite qualquer tipo de desaforo.

Mas não é apenas essa notícia do palácio o que nos traz a entrevista de Lula. Ali ele nos informa também que o expurgo dos economistas divergentes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) tem o seu aval. Desfaz todo o esforço de se apresentar as demissões como resultado de vencimento de convênios e regularização de contratos.

Disse Lula a respeito da decisão de Márcio Pochmann, presidente do Ipea: "Ora, meu Deus do céu, o mínimo de direito que tem alguém (sic) que é colocado num cargo de uma instituição como o Ipea é colocar quem ele queira colocar, trocar quem ele queira."

Não teria se houvesse respeito à preservação da pluralidade de pensamento numa instituição de produção acadêmica. Nela, acredita o presidente, deve-se aplicar o mesmo critério do loteamento político adotado na relação Executivo/Legislativo que tanto vulgariza a administração pública e solapa a autonomia do Parlamento.

Mas há mais notícias na entrevista e elas não são animadoras. Sobre o terceiro mandato, Lula diz que resiste à tese, mas não diz que a rejeita. Reitera várias vezes seu desejo de "não falar mais no assunto", mas afirma também que não quer falar de sucessão antes de 2009 e foi o primeiro a pôr na roda o tema no fim de agosto, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo".

Não deixa também de embaralhar idéias. Afirma ser contra, "como filosofia", continuísmos. Mas, filosoficamente, também é contra a reeleição e se reelegeu. Da mesma forma reafirma sua posição filosófica contrária ao imposto sindical, mas acha a atual proposta de acabar com ele "complicada", pois retira dos sindicatos dos trabalhadores e não dos empresários. Defende uma regra de transição. De quanto tempo? "Não sei."

Quanto a plebiscitos, diz: "A história do plebiscito não é minha. Aconteceu em 2001", querendo transferir a paternidade da idéia a Fernando Henrique Cardoso. O plebiscito para escolha do sistema de governo não "aconteceu" em 2001. Ocorreu em 1993 porque, cinco anos antes, a Constituinte aprovara a consulta.

Lula volta a embaralhar a cena das longas permanências no poder, afirmando que tanto primeiros-ministros quanto presidentes podem ser removidos sem dificuldade. "Já vimos no Brasil, já vimos nos Estados Unidos." Como resultado de processos traumáticos de impeachment, exceções absolutas em ambos os países. Por que a persistência no erro?

Porque não é erro, é cálculo.

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