Muito admira a decisão da senadora Kátia Abreu de abrir dissidência assim como causa espanto o gesto do ex-deputado Roberto Brant de deixar o PSD em reação ao modo como o prefeito Gilberto Kassab conduz o partido.
Ambos consideraram "truculenta" a intervenção na seção mineira para propiciar o rompimento do compromisso firmado com a campanha à reeleição do prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, e adesão à candidatura do petista Patrus Ananias.
Compararam o ato a ações de velhos coronéis, denunciaram desrespeito a políticos locais, reclamaram da ausência de diálogo, falaram em abuso de poder e, em carta enviada ao prefeito de São Paulo, qualificada pela autora como "desaforada", a senadora apontou "dano grave ao espírito do nosso partido".
Melífluo, Kassab preferiu o elogio ao confronto, reiterando voto de "respeito e admiração" à correligionária. Mas, se quisesse acirrar poderia perguntar a qual espírito partidário mesmo se referiu a senadora.
Tanto ela quanto Brant ou quem mais esteja insatisfeito com a condução que Kassab dá ao PSD sabiam muito bem onde estavam pisando quando se associaram a um projeto desprovido de sentido doutrinário, arquitetado com o explícito propósito de se inserir com rapidez no quadro partidário sob a égide do pragmatismo em sua feição mais extremada.
Aqui a cigana não enganou ninguém. Kassab nunca escondeu que criava uma legenda para dar continuidade à sua carreira política pós-prefeitura, já que via seu então partido, o DEM, como uma confederação de náufragos condenados ao abraço dos afogados.
A natureza do negócio sempre esteve muito clara: uma agremiação para servir de pau para toda obra, a depender dos interesses da ocasião. Um notório cartório no comando do qual Gilberto Kassab carimba alianças sob o único critério da obtenção da vantagem imediata.
Aderiu quem quis e não viu nada demais em migrar do dia para a noite da mais ferrenha oposição à profunda afeição ao governo federal.
Assinou embaixo quem não viu nada de esquisito no fato de o PSD ter se transformado em sublegenda de todos os governados de estado, à exceção de São Paulo e Rio Grande do Sul onde, no entanto, se abrigou em alianças para a eleição municipal de lógicas completamente díspares tanto em relação à afinidade com o PT no plano federal ao ficar com o PSDB na capital paulista quanto no tocante à origem da maioria centro-direitista dos sócios fundadores ao se unir ao PCdoB gaúcho.
Não por outro motivo a não ser a ausência de balizas, o novo partido conseguiu rapidamente formar uma bancada tão robusta na Câmara que levou a Justiça a ignorar a legislação vigente e adotar uma "interpretação realista" para a concessão ao PSD de tempo de propaganda gratuita e acesso ao dinheiro do fundo partidário.
Embarcaram todos na norma pragmática de Kassab, celebrado como o mais novo gênio da raça da política nacional.
Uma vez atropelados os princípios e a prática sendo aceita como expressão de competência, reclamar agora do quê?
Queixaram-se os revoltosos de que em um ano e meio a executiva nacional não se reuniu uma única vez, que as decisões são tomadas de forma autocrática por Kassab, que não há democracia interna nem vida partidária.
Ora, uma legenda fundada nas bases em que se criou o PSD, sem a menor preocupação com o aperfeiçoamento dos costumes da nossa desgastada política, ao contrário, aprofundando todas as deformações existentes, não obedeceria mesmo aos preceitos de "lealdade e respeito" que foram infringidas no dizer da senadora Kátia Abreu.
Gilberto Kassab não cometeu infração alguma no tocante ao que se propôs. Não incorreu em desvio de rumo nem deveria surpreender ninguém. Muito menos os que viram no projeto dele uma janela de oportunidade.
Ademais, com todo respeito que merece a combatividade da senadora, considerar Gilberto Kassab "um rapaz moderno de São Paulo", francamente, não faz jus à perspicácia que sempre exibiu no exercício do mandato.