Se a dita faxina ética é fato ou ficção, os próximos capítulos dirão. Mas um avanço a presidente Dilma Rousseff já produziu com seu jeito diferente do antecessor de lidar com denúncias e inadequações de comportamento em geral em seu ministério: pôs a corrupção em pauta.
Alguns ainda insistem na tese de que só os "fariseus", "udenistas" e a "imprensa golpista" põem o tema no alto da escala das prioridades nacionais, mas muitos empresários, políticos, cientistas políticos, ativistas das redes sociais e entidades civis já se pronunciam dando sinais de compreender que o problema não é moral. É, sobretudo, institucional.
Eivada pela corrupção, a democracia no Brasil não tem como avançar. Ao contrário: corre sério risco de retroceder.
Nesse sentido, percebe-se um lento despertar da letargia, materializado nas manifestações de vontade de que a corrupção deixe de ser tratada como assunto episódico na ilustração de escândalos periódicos e passe a ser discutida, esmiuçada e enfrentada.
A dúvida que se põe daqui em diante é sobre a continuidade do processo. Terá o governo como indutor e condutor ou dependerá da organização e disposição da sociedade?
É certo que a torcida procura dar apoio à presidente Dilma Rousseff pintando seu papel nessa história com tintas bem mais generosas que as fornecidas pela realidade.
O governo recolhe os dividendos, mas um exame detido e desapaixonado dos acontecimentos dos últimos quase três meses mostra que o Planalto é antes caudatário que deflagrador dos fatos.
Em momento algum desde o início de seu governo se ouviu da presidente o anúncio de um esboço sequer de propostas de combate à corrupção. Ela, quando instada a falar no assunto, atribui à imprensa a conceituação das demissões em série como uma ofensiva de "limpeza" e evita tomar a frente do processo.
E realmente foi a imprensa que estabeleceu e deu nome à diferenciação entre o modo de agir da atual presidente e a maneira de atuar de seu antecessor conferindo a ela a autoria de um plano de verdade nunca assumido como tal.
Se houvesse um projeto pensado, pesado e medido, Antonio Palocci não teria demorado 15 dias para se ver obrigado a explicar ao público seu inexplicável enriquecimento e mais uma semana para deixar o cargo.
Um governo com uma agenda clara de combate à corrupção teria determinado que seu ministro-chefe da Casa Civil se explicasse de imediato. O Planalto o defendeu o quanto pôde aludindo a conspiração política enquanto a Comissão de Ética Pública lhe atestava inocência.
Apenas no caso do Ministério dos Transportes a presidente agiu de ofício, cobrando duramente o aumento dos preços em obras do PAC, embora só tenha decidido pelas demissões depois de a imprensa divulgar o episódio. Mesmo assim, a presidente chegou a conferir ao ministro depois demissionário o comando das investigações sobre o que ocorria debaixo do nariz dele e do secretário-executivo que veio a substituí-lo.
Nelson Jobim caiu de maduro de tanto falar bobagens e Wagner Rossi enforcou-se nas próprias cordas. Mas ganhou o direito de ver divulgado pelo palácio um apelo candente de Dilma para que continuasse no cargo.
No Ministério do Turismo foram presas 36 pessoas, entre os quais o secretário-executivo que depois foi veementemente defendido pelo ministro Pedro Novais em audiência no Congresso, e do Palácio do Planalto o que se ouviu foi uma crítica à atuação da Polícia Federal.
Portanto, o que há de diferente em relação a Lula por ora é mais o estilo que os atos propriamente ditos. Dilma evita dar declarações que soem a proteção dos aliados, mas, como Lula, espera que os acontecimentos se imponham no lugar de fazer acontecer.
O que falta à presidente não é "habilidade política" para dar conta da empreitada. Falta método, clareza e a troca da reação pela iniciativa da ação. Começando por apresentar ao país suas credenciais, explicando quais são suas ideias a respeito do que seja necessário em termos de mudança de procedimentos para a construção de um governo de coalizão dentro dos marcos estritos da legalidade.
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