O que diferencia o novo presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, do antecessor Gilmar Mendes o temperamento é o de menos. O essencial é o que os assemelha: a noção de que à corte suprema cabe um papel ativo na garantia da sustentação democrática, ainda que por vezes isso soe estranho aos olhos e ouvidos acostumados a um Judiciário apartado da sociedade.
Em português claro, omisso.
Esse STF que nem sempre agrada e, especialmente na gestão de Gilmar Mendes, muitas vezes perturbou pela ousadia com que o magistrado entrava em campo, pode até alterar sua forma de comando, mas não mudará na essência.
Em menos de dez anos ministros de feitios tão distintos quanto Ellen Gracie, Nelson Jobim e Marco Aurélio Mello já ocuparam a presidência sem que se possa dizer que o STF tenha se amoldado ao perfil de nenhum deles.
A própria conformação do grupo, personalista no saber individual, não permite que isso aconteça.
Não obstante as divergências internas referidas no estilo de cada um dos integrantes da corte, a linha de atuação do colegiado vem se modernizando nos últimos anos ou talvez, seria melhor dizer se adaptando aos tempos como vários outros setores do Brasil à exceção da política, feita em boa medida ao molde da República Velha.
Vejamos o destino como pode ser ladino. Justamente nesse período, por uma série de circunstâncias e coincidências de datas, pedido de aposentadoria antes do tempo, motivações que não vêm ao caso, o presidente Luiz Inácio da Silva provavelmente foi o chefe de Estado que teve mais direito a indicações. Nomeou 7 dos 11 ministros que compõem o Supremo, inclusive Cezar Peluso.
É preciso que se diga, tal poder fez circular uma sombra de suspeita e expectativa sobre a independência dos indicados.
Desconfiança que logo se revelaria uma enorme tolice. Mais, um completo desrespeito.
Nesses anos todos de tantas distorções institucionais, de Poder Executivo preponderante demais, Poder Legislativo independente de menos, emergiu um Poder Judiciário na representação do Supremo não só ativo. Plural, polêmico (por que não?), inovador, rigoroso, na medida do possível, aberto.
Erros e acertos, mas um poder que indubitavelmente saiu do encastelamento absoluto e se propor a gradativamente se aproximar da sociedade.
Isso se expressa no interesse que desperta a troca de comando na corte. Há alguns anos, ato quase burocrático acompanhado por autoridades, funcionários e afins. Hoje, manchete de jornal. O que dizem os presidentes do Supremo e do Superior Tribunal Eleitoral passou a ter peso. E se a Justiça conta, tanto melhor.
Uma semana antes de transmitir a presidência a Peluso, Gilmar Mendes respondia ao vivo na TV Justiça a perguntas feitas pela internet, várias questionando sentenças, notadamente o habeas corpus concedido ao ex-banqueiro Daniel Dantas.
Isso é ruim, é exposição demais, prejudica o andamento do Judiciário, provoca algum retrocesso institucional?
O tempo em que seria impensável um cidadão dirigir-se a um ministro do Supremo, muito menos ao presidente, menos ainda para questionar-lhe uma decisão, seria mais perfeito?
Difícil enxergar qual a razão. Não há evidentemente na corte um funcionamento ideal, transparente como água límpida, na celeridade e nas regras almejadas pelos especialistas.
Há quem para ressaltar-lhe os defeitos a compare à Suprema Corte dos Estados Unidos, mas aí seria de se imaginar que o Superior Tribunal Federal pudesse transitar aos saltos e não aos passos.
Seria preciso também esquecer o quanto o Supremo precisou se ocupar em remar na contra corrente de um ambiente de desídia moral, ora manifestando-se nos autos, ora fora deles a fim de assegurar a firmeza dos limites constitucionais.
Há cerca de dois anos, o hoje presidente, então vice-presidente do STF concedeu uma longa entrevista à revista Cons ultor Jurídico em que expressava a certeza de que o Judiciário ajudara, em 2008, o Estado brasileiro a "subir alguns degraus" em termos de cidadania e democracia.
Seria de se acrescentar que, na verdade, ajudou mesmo a não descer muitos.