O processo de tomada de decisão da presidente Dilma Rousseff é de difícil compreensão, mas exibe uma característica visível a olho nu: não é, recorrendo a Fernando Pessoa, um poema em linha reta.

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Desde as primeiras decisões bem no início do governo até suas atitudes nessa obra inacabada de escândalos em série na Esplanada dos Ministérios, Dilma se notabiliza pelo vaivém.

Com a mesma assertividade com que sinaliza numa direção, em seguida segue no rumo oposto.

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Numa versão otimista, isso revela personalidade maleável, embora não seja esse traço de seu perfil o que seus próprios auxiliares ressaltam quando relatam episódios da mais absoluta intransigência no trato cotidiano.

Os fatos mostram uma realidade diferente, alvo de críticas por parte de aliados: pressionada, Dilma avança ou recua nem sempre tomando a resolução que seria a mais adequada, mas sim aquela que as circunstâncias a obrigam a tomar.

Ocorreu quando da votação do Código Florestal na Câmara, obrigando a liderança do governo a desfazer um acordo na última hora em plenário.

Aconteceu no caso da prorrogação do prazo para pagamento de emendas parlamentares de 2009: primeiro anunciou de maneira peremptória que não prorrogaria, mas dois dias depois foi obrigada a mandar dizer o contrário ante a reação negativa dos partidos aliados.

Em maio, foi a vez da lei de acesso à informação. Dilma declarou-se contra o sigilo eterno, mudou de opinião – tendo como porta-voz a ministra Ideli Salvatti – para agradar aos senadores Fernando Collor e José Sarney, mas, diante da posição favorável à liberação dos militares e do Itamaraty, voltou a defender o texto que, afinal, sancionou na sexta-feira pondo fim ao sigilo eterno.

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Depois disso, tomaram conta da cena as idas e as vindas nos casos dos ministros envolvidos em escândalos. A todos eles emprestou apoio num primeiro momento para terminar por demiti-los pelas mesmas razões que os levaram à berlinda, alongando o tempo de desgaste.

Seria Dilma uma pessoa indecisa? Não parece. O problema talvez esteja na ausência de um "entorno" experiente, na falta de um conselheiro como Lula teve em Márcio Thomaz Bastos e no temor que impõe à equipe, que, intimidada, prefere deixar a presidente errar sozinha a correr o risco da humilhação.

Apesar dos pesares

Marta Suplicy é antipática? Sabe ser. Arrogante? Como ninguém. Inadequada com as palavras? Às raias da inconveniência.

Diga-se o que for, goste-se dela ou não, uma coisa é certa: a senadora é das raras pessoas no PT que não segue a cartilha do Amém. Tem tutano.

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Mas escorrega onde outros colegas de vários partidos também tropeçam: ao sobrevalorizar o cargo executivo em detrimento do mandato parlamentar.

Marta enfrentou uma eleição difícil, quase perdeu para um adversário de coalizão de nível (político) sofrível, e poderia muito bem dar-se por orgulhosa de ter sido escolhida para representar São Paulo no Senado.

Sem precisar entrar em atrito inútil no partido ou diminuir-se por nomeação em ministério.

Bipartidarismo

Em longa entrevista – que ainda merece novos comentários – à repórter Raquel Ulhôa, do jornal Valor Econômico, Ciro Gomes afirmou ter ouvido de Lula a ideia de formar um só partido açambarcando as legendas hoje sob área de influência do PT: "A intenção é aniquilar essas frações", disse.

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Testemunhas de que Ciro não exagera são diversos jornalistas que no início do primeiro mandato tiveram dois encontros com o então presidente em que ele disse o mesmo.

Defendeu a volta do bipartidarismo durante café da manhã no Palácio do Planalto e reafirmou simpatia à tese em jantar meses depois. Lula nunca mais voltou a falar do assunto em público, o que não significa que tenha abandonado a ideia.

O papel lateral que os partidos da base tiveram nos dois governos de Lula e continuam tendo com Dilma, sem participação efetiva no núcleo de poder, indica apreço ao projeto.

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