Vamos ao fato: não foi a oposição, mas o principal parceiro do PT no governo, partido do vice-presidente da República, quem realmente impediu a conclusão da votação da MP dos Portos na madrugada de quarta-feira a tempo de seguir no mesmo dia para o Senado.
Enquanto os oposicionistas com seus 90 soldados insignificantes ante o exército de 423 deputados governistas faziam obstrução regimental, o PMDB sob comando do líder Eduardo Cunha obstruía de forma dissimulada.
Por expedientes da Mesa, que aceitou emendas de conteúdo repetido, ou pela negativa de registro de presença em plenário. Pouco antes das 5 da manhã, a sessão foi suspensa por falta de quórum. Seria necessária a presença de 257 parlamentares, coisa pouca diante do tamanho da base aliada. O PT assistiu à cena ensaiando queixa, mas sem poder abrir confronto.
Tudo muito bem urdido, disfarçado em disposição de votar, de esgotar todos os recursos na celebração do ato de estarem ali como representantes do povo desde as 11 horas do dia anterior no trabalho árduo de tentar aprovar medida "necessária à modernização" do sistema portuário do país.
Discursavam como heróis de uma jornada que de heroica não teve nada. Foi, antes, o retrato da desorganização das forças governistas que tinham 72 horas para aprovar na Câmara e no Senado a regulamentação de um setor estratégico na infraestrutura do Brasil.
A certa altura da madrugada, estabeleceu-se um debate sobre os 114 anos de existência de clube de futebol da Bahia, enquanto se anunciava no plenário que ministros estavam sendo acordados para telefonar a deputados pedindo-lhes para voltarem à Câmara a fim de garantir quórum para validar votações de cujas discussões não haviam participado.
Patético. Todo o conjunto da obra: a obscuridade do conflito de interesses, a pressa, a falta de compromisso com o conteúdo de uma medida editada com o intuito de atrair investimentos e incrementar o comércio exterior do país.
Um assunto dessa complexidade e alcance sob qualquer ângulo que se examine com um mínimo de seriedade não poderia ser tratado na base do improviso. Sob a espada da premência do tempo, contaminado por suspeições mal explicadas, troca de insultos, tendo como pano de fundo uma queda de braço entre a Presidência da República e o líder da bancada do PMDB.
O deputado Eduardo Cunha não é bicho que se crie em casa, disso o governo estava cansado de saber. A cúpula do partido também. Ainda assim a bancada o escolheu para líder, o que leva à conclusão de que não está sozinho na briga.
São 80 deputados. Se a totalidade não o segue cegamente, a maior parte o vê como uma solução. Tanto que atenderam à orientação de negar quórum na fase de votação das emendas ao texto principal. Comentou-se logo ao fim da sessão que o vice-presidente Michel Temer estaria acompanhando tudo do Palácio do Jaburu, furioso com Eduardo Cunha.
Ora, Temer é presidente de fato do PMDB. Sabe, assim como se imagina que esteja ciente a presidente da República, que o líder foi escolhido justamente pela capacidade de manter um clima de tensão permanente com o Planalto. Esse seu principal atributo, junto com a habilidade de dissimular como fez em discurso defensivo na tarde de ontem.
Portanto, nesse aspecto a cigana não enganou ninguém. Talvez tenham subestimado sua ousadia e/ou não avaliado direito o tamanho do descontentamento em gestação há tempos na bancada peemedebista. Agora fazer o que, destituí- lo? Difícil. Desmoralizá-lo? Provável que tentem.
Mas o embate dos portos não foi o último. Haverá outros e se o governo não organizar suas forças acabará se fragilizando como nenhum outro no Congresso.