A entrevista do senador Jarbas Vasconcelos à revista Veja é um registro de esgotamento.
Daqueles momentos em que o ser humano perde a paciência, por algum motivo resolve pagar para ver sem medir de imediato as consequências, diz verdades da mais alta inconveniência e cria situações que podem levar a rupturas benéficas ou ao reforço de pactos maléficos.
A intenção inicial nem sempre combina com o resultado final. Tudo depende de adesão da sociedade e das instituições. Na história recente da política há dois momentos assemelhados.
Em 1992, Pedro Collor não queria derrubar o irmão Fernando da Presidência da República quando na mesma revista Veja deu entrevista materializando os boatos que corriam em Brasília havia dois anos e contou quase tudo sobre o esquema de corrupção comandado por Paulo César Farias, o tesoureiro do presidente.
Em 2005, o então deputado Roberto Jefferson não pretendia muito mais que manchar o manto de vestal do PT por causa de problemas de partilha e nem de longe pensava em pôr seu mandato a prêmio quando deu uma entrevista à Folha de S.Paulo assumindo o que já fora duas vezes denunciado e desmentido: que a direção o PT comandava um sistema de financiamento público dos partidos em troca de apoio no Congresso.
Nos dois casos, a primeira reação dos acusados, seus aliados e o entorno de inocentes (in)úteis que preferem as versões oficiais aos próprios olhos e ouvidos foi a de exigir "provas" contundentes. Corrupção por escrito, com certidão passada em cartório do céu.
Não fosse a ação firme de alguns setores, pessoas e instituições, as denúncias teriam sido atribuídas a intenções escusas dos denunciantes e nada do que se soube a respeito de ambos os episódios teria sido do conhecimento público.
Agora, diante do desabafo do senador Jarbas Vasconcelos, reproduzindo em gravador fatos notórios e sobejamente sabidos, esboça-se uma reação parecida.
Provas, nomes, documentos, clamam o que Nelson Rodrigues chamava de idiotas da objetividade. Isso, falando dos só equivocados, porque a eles se juntam de carona os mal-intencionados falando em "generalizações" cujas particularidades conhecem em detalhes.
Depois do silêncio de 24 horas, a direção do PMDB se reuniu e decidiu oficialmente tentar "esvaziar" as declarações do senador.
Dar a elas um caráter pessoal, deixar que se lancem sobre ele algumas desconfianças, quando nada de que fala por ser ranzinza, uma voz isolada no partido, talvez por isso em busca de alguma notoriedade, um homem a quem não se deve dar atenção, um político na contramão da história tal como é contada nesses dias de supremacia da fama e da popularidade sobre o mérito e o respeito.
O senador Jarbas Vasconcelos nada acrescentou, a não ser sua assinatura, a tudo o que todos os dias é repetido para o conhecimento do público. A eleição de José Sarney para a presidência do Senado foi tachada de retrocesso na imprensa nacional e internacional.
O fisiologismo do partido é assumido. Foi o próprio presidente do PMDB quem disse que na próxima eleição ele ficará parte com o governo, parte com a oposição.
O PMDB é tratado permanentemente com desqualificação e não se opõe a isso. Simplesmente parou de argumentar contra os fatos. No máximo, quando eles ameaçam suas posições na administração federal, luta pelas posições, nunca para corrigir os fatos.
Acabou de acontecer, em proporções reduzidas, o mesmo com o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que apontou a gestão corrupta e ineficaz de seu partido na Fundação Nacional de Saúde.
Foi tratado como um desgarrado, indisciplinado, boquirroto e intolerante, quando foi apenas covarde por ter aceitado dar o dito pelo não dito.
Jarbas Vasconcelos apenas ampliou e detalhou o quadro. Baseado na experiência e confiante na aceitação do conceito de que a amoralidade passou de exceção a regra geral, o PMDB deu de ombros.
Ouve que há corrupção no partido, nem sequer estranha e não procura saber o que se passa: condena liminarmente o denunciante e dá o caso por encerrado.
Bem, isso é o que a Executiva do PMDB acha que deve ser feito. Não necessariamente precisa ser o que todos os parlamentares, governadores, prefeitos, filiados e militantes do partido e de outras legendas devam seguir.
A entrevista de Jarbas Vasconcelos estende aos políticos de bem uma tábua de salvação. Abre a todos a oportunidade de escolher um lado: se o do joio ou do trigo.
Dá à opinião pública a chance de ver quem sustenta a verdade inconveniente dita pelo senador e quem se esconde sob a mentira conveniente contada pela Executiva do PMDB.
Considerar condenável o ato do senador requer necessariamente que se admita como louvável o conjunto da obra do PMDB e se apresentem escusas pelo tratamento desrespeitoso dado à legenda.
É uma escolha que põe em xeque a oposição a quem o senador anunciou apoio na eleição de 2010. Uma opção entre a ruptura benéfica e a renovação do pacto maléfico.
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