O ministro da Justiça, Tarso Genro, teve a sua hora como guardião dos direitos humanos e amarelou. Em agosto do ano passado ele deportou os boxeadores cubanos Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, que abandonaram a delegação do seu país durante os jogos do Pan.

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Rigondeaux, bicampeão olímpico, foi excluído da equipe enviada Pequim. Erislandy fugiu de novo, está na Alemanha e de lá informou:

"Não tivemos nenhum apoio e, sem ninguém para contactar, fomos obrigados a pedir para voltar para Cuba".

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Há algo de oportunismo e de caça ao evento na auto-investidura do comissário Genro como perseguidor de torturadores. Sua estatura como ocupante da cadeira onde sentou-se Diogo Feijó (1831-1832) cabe numa frase dita por ele: "O presidente pode dar um puxão de orelha em qualquer ministro. Isso é da sua competência, mas eu não levei puxão de orelha." Mesmo assim, Tarso Genro esteve certo em relação aos torturadores.

A tortura foi uma política de Estado durante a ditadura, particularmente entre 1969 e 1977. Como disse o general Vicente de Paulo Dale Coutinho às vesperas de assumir o Ministério do Exército, em 1974: "Ah, o negócio melhorou muito. Agora, melhorou, aqui entre nós, quando começamos a matar." Como reconheceu um estudo do Centro de Informações do Exército, praticaram-se "ações que qualquer justiça do mundo qualificaria de crime". Os torturadores cumpriam determinações de seus superiores. Prova disso foi a concessão da Medalha do Pacificador ao delegado Sérgio Fleury, ícone do Esquadrão da Morte e do porão paulista.

A história segundo a qual a tortura e a prática sistemática de assassinatos foi produto de excessos, indisciplina ou deformação moral de subalternos é uma patranha destinada a polir a biografia dos comandantes militares e dos presidentes da República da ocasião.

Se a família de uma vítima da máquina repressiva dos generais, almirantes e brigadeiros, vai à Justiça em busca da responsabilização dos oficiais que comandavam o porão, esse é seu direito. Caberá ao Judiciário decidir se a anistia ampara a outra parte. Pena que fiquem de fora os finados comandantes que mandaram capitães e majores torturar e matar brasileiros.

Há um aspecto relevante nesse debate. É a postura dos atuais comandantes diante da herança maldita da ditadura. Em vez de exorcizá-la, reconhecendo um erro cometido há mais de trinta anos, cavam duas trincheiras. Uma é a do debate inoportuno. Outra é a da negativa da responsabilidade dos hierarcas. Ambas são falsas e o debate é necessário. O desconforto e irritação dos comandantes militares com a tortura é o único tema dos anos 60 e 70 que não desaparece da agenda política nacional. O país já se livrou da inflação e da Telerj, mas a sombra soberba dos DOI-Codi continua aí.

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Algo como se o doutor Henrique Meirelles fosse obrigado, hoje, a defender a inflação dos seus antecessores remotos no Banco Central.

Quem vive preso ao passado não são os órfãos do DOI, são os protetores de sua memória.

Os comandantes militares carregam na mochila crimes alheios. (A tortura, assim como o seqüestro, pode ter sido coberta pela anistia, mas crime foi.) Não são as vítimas nem seus parentes que devem calar. São os comandantes que devem se acostumar ao convívio com a História.

Elio Gaspari é jornalista.