São enormes os poderes do pessoal da jogatina. Basta lembrar que, em 2004, a Casa Civil da Presidência levou ao Congresso o texto da Mensagem Presidencial, onde se lia: "A regulamentação da atividade dos bingos vai organizar o setor e assegurar recursos para o esporte social." Numa reunião no Planalto, o secretário da Presidência, Luiz Dulci, disse que esse trecho não passou pela sua mesa, onde se deu texto final à Mensagem.
Três dias antes desse misterioso acontecimento, o país havia assistido à cena de um subchefe da Casa Civil recebendo uma sacola de dinheiro de um contraventor. (Quando a cena foi filmada, Waldomiro Diniz não trabalhava no Planalto.)
Veio a fúria moralizante, instalou-se uma CPI, e ela recomendou a criação de um marco legal para o jogo. Apareceu um projeto no Senado dando aos estados o poder de distribuir concessões para a exploração de loterias. Ele foi aprovado no dia 8 de fevereiro. Três dias antes, a Polícia Federal gravara uma conversa do bicheiro Aniz Abraão para um amigo, pedindo o telefone de um senador. Associar uma coisa à outra pode ser maledicência mas, ocorrida a votação, o advogado Júlio Guimarães, em cuja casa seriam encontrados R$ 10 milhões atrás de uma parede falsa, disse o seguinte a um colega: "Passou no Senado e vai passar na Câmara. Nós vamos ganhar essa parada. Confia em mim."
Se ninguém fizer nada, a turma da jogatina ganha essa parada. O regime de concessões estaduais abre caminho para exorbitâncias e contravenções. Em Pernambuco há a idéia de se conceder a exploração de uma loteria que poderá arrecadar R$ 840 milhões, repassando ao estado R$ 6 milhões. Ou seja, vão avançar sobre o dinheiro da patuléia, deixando migalhas para a sociedade.
O projeto aprovado pelo Senado vai a voto hoje na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara. A ligação de Genival Inácio da Silva, o Vavá, com um mercador de apostas da Baixada Santista fez com que o próprio presidente da República caísse num grampo da Polícia Federal. (Era uma conversa banal, sobre a saúde de um amigo, e Lula foi ao telefone porque estava na casa para onde o sócio da casa de jogo telefonou.)
Pretende-se dar legitimidade federal aos concessionários estaduais da jogatina. O projeto é suficientemente vago para que cada governador se transforme num distribuidor de licenças de jogatina. As máquinas de caça-níqueis, por exemplo, são loterias eletrônicas e não há quem possa negar isso. Pretendem inverter a regra. A lei diz que o jogo é proibido no Brasil. Os senadores, os bicheiros e um lote de deputados querem definir quais jogos são permitidos, por quem.
Atualmente, 12 estados têm loterias estaduais (Waldomiro Diniz trabalhava numa delas), e o governo federal, por meio da Caixa Econômica, opera dez modalidades de tavolagem. A última, criada por Lula, destina-se a sanear a ruína dos clubes de futebol saqueados pelos cartolas.
Uma pesquisa de 2004 indicou que 90% dos apostadores nas loterias federais ganham entre R$ 500 e R$ 700. A jogatina federal tira dinheiro da patuléia mas, bem ou mal, coloca-o nas arcas da Viúva. A privataria das concessões lotéricas colocará o ervanário no bolso de empresários, mais ou menos vinculados à traficância e às corrupções, executivas e legislativas.