As greves de médicos e de servidores da rede pública que se alastrou pelo Nordeste beira a criminalidade. Só em Alagoas, ela dura quase três meses. Na Paraíba, os doutores do Programa Saúde da Família pararam por mais de uma semana. Em Pernambuco, a praga durou vinte dias.
Movimentos semelhantes já aconteceram no Ceará e em Sergipe. Em todos os casos, os grevistas são capazes de provar que ganham pouco e que o sistema público de saúde precisa de mais dinheiro. Da mesma forma, todos os grevistas são obrigados a reconhecer que, ao paralisarem seus serviços, prejudicam deliberadamente os cidadãos mais pobres das cidades onde trabalham. Quanto mais pobre o cidadão, maior é o dano imposto pela greve. Quanto mais abonado, menos se importa com ela.
O governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho, foi a Brasília, lambuzou o ministro da Saúde e aproveitou a viagem para fazer uma discreta defesa do senador Renan Calheiros, seu amigo e aliado. Esse tipo de oposição-companheira praticada pelos governadores tucanos confirma que o PSDB está em greve de idéias. Não pensa. Quando pensa, diz o contrário, ou coisa nenhuma. Outro dia, qual Pedro II, FFHH organizou um seminário de tucanos para discutir a visão do partido para a economia. Juntou os ex-ministros Pedro Malan, Bresser Pereira e Mendonça de Barros, além do ex- presidente do Banco Central, Gustavo Franco. Algo como reunir, em 1894, no governo de Floriano Peixoto, os Viscondes de Ouro Preto e Sinimbu, mais o Barão de Penedo, o bom amigo da banca londrina.
Numa situação dessas, é um refrigério folhear o último número da revista "Teoria e debate", do PT. Como acontece freqüentemente, traz opiniões diversas, saídas da matriz intelectual do partido. Há nela dois artigos sobre a proposta de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos. Um é do ex-presidente da CUT, João Felício. O outro é do economista Paul Singer, secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho.
Felício prega para os convertidos:
"Usar o argumento apelativo de que é a população pobre quem mais precisa desse atendimento é manipulação grotesca."
"Desafio os autores que propõem a regulamentação da lei de greve a adentrar em escolas públicas e postos de saúde por apenas uns dias, e não por 30 anos, para verificar porque as greves ocorrem."
Quem lê coisas assim veste uma camiseta do Cansei e sai por aí. No artigo seguinte, Singer recupera a capacidade que o PT teve de formular coisas novas:
"Quando médicos ou professores entram em greve, os direitos de todos os cidadãos (...) são atropelados (...). O poder de pressão das greves nos serviços públicos se volta contra o governo na medida em que fazem os habitantes sofrer, e estes atribuem o seu sofrimento à intransigência do governo."
Singer propõe simplesmente que as greves do serviço público sejam submetidas a uma corte arbitral, "cuja sentença teria de ser obrigatoriamente cumprida pelo governo". Essa corte teria um juiz neutro, representantes dos funcionários, do Estado e, no caso de greve de médicos, dos usuários. A entrada da patuléia na arbitragem desestimularia a fúria punitiva dos grevistas.
A proposta de Singer é racional. Talvez não faça o gosto do comissariado e das centrais sindicais.
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