O Papa Bento XVI, tão rigoroso na condenação da Igreja esquerdista latino-americana, meteu-se numa das piores controvérsias que podem assombrar um pontificado: o anti-semitismo do clero polonês. Na semana passada ele se deixou fotografar com o padre Tadeusz Rydzyk durante uma audiência coletiva em sua casa de verão de Castelgandolfo.
Monsenhor Rydzyk carrega nas costas a Rádio Maria, uma das emissoras católicas de maior audiência no país e vocaliza o reacionarismo xenófobo e obscurantista que manchou um pedaço da Igreja na primeira metade do século passado.
Duas pílulas do pensamento vivo do padre Rydzyk, gravadas em abril: Sobre o presidente da Polônia, Lech Kaczynski: "Um fraudador que está no bolso do lobby judaico."
Sobre as reparações que o governo polonês pagará aos judeus espoliados e massacrados durante a Segunda Guerra Mundial: "Você sabe do que se trata. A Polônia dando bilhões aos judeus. (...) Eles vêm e dizem: "Me dá o teu casaco! Tire as calças! Passe-me teus sapatos."
Pelas ondas da Rádio Maria os ouvintes já foram informados de que, em Auschwitz, não havia um campo de extermínio, mas apenas um centro de trabalho. As narrativas segundo as quais lá foram mortos 1,1 milhão de prisioneiros seriam coisa da "indústria do Holocausto".
Antes do início da guerra havia 3 milhões de judeus na Polônia. Em 1945 restavam menos de 300 mil (2,5%). Pode-se argumentar que esses números estão na conta dos crimes no nazismo, mas o anti-semitismo europeu é um fenômeno anterior e posterior ao domínio da suástica. Nos dezoito meses seguintes à capitulação da Alemanha foram assassinados mais judeus em Polônia, Hungria e Tchecoslováquia do que nos dez anos que antecederam a guerra.
O cardeal de Cracóvia, a Conferência dos Bispos da Polônia, o Núncio Apostólico em Varsóvia e o próprio Vaticano condenaram o anti-semitismo do padre Rydzyk, mas não moveram um só dedo para afastar a Igreja da sua rádio. Pelo contrário, o Papa recebeu o padre depois que suas diatribes tornaram-se públicas. Essa distinção deve-se ao prestígio de Rydzyk no meio rural da Polônia. Bento XVI entrou na zona de sombra que estragou o pontificado de Pio XII (1939-1952), aquele que fez o que pôde, menos o que era necessário.
O anti-semitismo de boa parte dos católicos poloneses tem raízes fundas e antigas na cultura do país. Em 1936, o cardeal-primaz August Hlond condenou o anti-semitismo, mas aceitou o boicote aos negócios de judeus. Nas suas palavras ambíguas e terríveis para uma época na qual o chanceler alemão se chamava Adolf Hitler: "o problema judeu persistirá enquanto houver judeus". Uma das maiores figuras do clero polonês, o padre Maximilian Kolbe, martirizado em Auschwitz e santificado por João Paulo II, deixou dois textos (entre mais de mil) em que deu crédito aos argumentos da falcatrua da conspiração judaica dos "Protocolos dos Sábios do Sion". Isso não fez dele um anti-semita, mas apenas mostrou como os estereótipos da ocasião chegaram a atingi-lo. Kolbe ofereceu-se para morrer no lugar de outro prisioneiro, que teve a graça de assistir a cerimônia de sua canonização, em 1982.
Um jornal ligado à rádio Maria publicou a notícia do encontro do padre Rydzyk com Bento XVI sob o seguinte título: "O Santo Padre nos abençoou".