A galeria de rótulos de Pindorama já teve dois tipos inesquecíveis. Eram o "jovem cineasta" e o "contista mineiro". Não importava o que fizessem, seria coisa boa. Há agora um novo personagem, triste produto do irracionalismo. É o "suposto traficante". Não importa o que tenha feito, mereceu o que teve. O "suposto traficante" pertence a uma espécie que precisa ser extirpada com sacos de plástico e até mesmo com a admissibilidade do aborto como acessório da política de segurança pública. Muita gente concorda com isso. Por isso, oferecer mentiras a essas pessoas é atribuir-lhes o papel de bobas.
No último dia 9, o policial Eduardo Henrique de Mattos foi morto no Rio enquanto sobrevoava, num helicóptero, a favela do Morro do Adeus. O crime foi desvendado em menos de 48 horas. O delegado Aldari Vianna, da 21.ª DP, informou que o assassino havia sido preso no Hospital Salgado Filho, onde estava internado com a mandíbula fraturada e ferimentos no corpo. Era Fábio Brum Camargo, o "Carão", de 24 anos, já condenado por assalto a mão armada. Seria um atirador de elite da quadrilha do traficante "Tota", da favela da Grota. Parecia personagem de filme. Caso encerrado, pois "Carão" confessara a autoria do disparo.
Na terça-feira, o filme queimou. O delegado Rodrigo Oliveira, da Coordenadoria de Recursos Especiais da polícia do Rio, o Core, disse ao repórter Pedro Dantas que a confissão de "Carão" era falsa. Segundo o delegado, o tiro que acertou o policial partiu do Morro do Alemão, a mais de um quilômetro de distância do Adeus. Oliveira explicou que "Carão" confessara o crime "para ganhar os louros de ter matado um policial".
A essa altura, quem acha que "suposto traficante" tem mais é que morrer, que as favelas devem ser ocupadas militarmente e que duvidar da polícia é fortalecer os bandidos, ganha um problema: precisa acreditar que um sujeito com a mandíbula quebrada inventa que matou um policial "para ganhar louros".
Quem aceitou a confissão de "Carão" ficou no papel de bobo. Quem aceita a história dos "louros", faça dela bom proveito. Quem não acredita em nenhuma das duas fica numa situação delicada: quer justificar a polícia do governador Sérgio Cabral, mas não sabe como.
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O comissariado vai mal no Ipea
Há um detalhe esquisito no episódio do defenestramento de quatro economistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea. Nenhum deles recebeu a gentileza de uma conversa com o presidente da casa, Márcio Pochman. Foram rifados pelo chefe de gabinete. A elegância, e até mesmo o ritual da boa administração pública, sugeria um caminho diverso.
Um dos quatro, Fábio Giambiagi, estava marcado para morrer antes mesmo da posse de Pochman. Suas propostas de Reforma da Previdência (todas lesivas ao andar de baixo) puseram-no na lista de diabinhos do Planalto. Os demais (Régis Bonelli, Otávio Tourinho e Gervásio Rezende) podem ser vistos como críticos de políticas do governo, mas nenhum escreveu que o governo de Nosso Guia é "o mais corrupto da nossa história". Seriam, no máximo, "supostos liberais".
Sob nova direção, o Ipea já abriu uma linha de novidades econômicas prêt-à-porter, que dá um toque de respeito acadêmico à agenda do Planalto.
Demitir acadêmicos é coisa complicada. Se for de alguma valia, pode-se revisitar a maneira como o marechal Stalin livrou-se do economista Nikolai Kondratieff, autor de uma famosa teoria de ciclos econômicos.
Prendeu-o no anos 20, fuzilou-o nos 30, mas manteve-o no Conselho de Economistas da União Soviética até 1948.
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Golpe tucano
Os tucanos são contra a reforma da Constituição para que Lula possa concorrer a um terceiro mandato.
Fazem muito bem.
O problema dos doutores é que, ao mesmo tempo, negociam com alguns petistas outra emenda, que prorroga por um ano o mandato de Nosso Guia e de todos os governadores, inclusive os dos candidatos Aécio Neves e José Serra.
Uma emenda que permita a disputa do terceiro mandato é uma monstruosidade, mas deve-se reconhecer que Lula só o conseguiria se vencesse a eleição.
Mães no meio
A recente biografia do "Jovem Stalin", de Simon Montefiore, fechou a velha conta do número de prováveis pais do "Guia Genial dos Povos". Os candidatos são quatro:
O sapateiro Vissarion, marido de dona Ekaterina; o comerciante Yakov, em cuja casa ela trabalhou; o policial Damon e o padre Cristovão. Todos de Gori, na Georgia. (Um dos "irmãos" de Stalin cuidava da comida nas suas dachas e provava as porções antes que ele as tocasse. Protegeu um cozinheiro que servira ao monge Rasputin e a Lênin. Seu neto é o atual czar Vladimir Putin.)
As coisas não vão melhor do outro lado. Os candidatos a pai de Alexander Hamilton (1755-1804), o genial articulador da finança americana, são dois. (O marido de dona Rachel fica de fora, porque quando a criança nasceu ela já o abandonara.) Restam John Hamilton, um negociante arruinado, e Thomas Stevens, próspero comerciante que amparou o menino Alexander depois que ele perdeu a mãe e o tutor. (Edward Stevens, "irmão" de Hamilton, foi seu médico pessoal por toda a vida.)
Enfim juntos
A liderança tabajara de Nosso Guia no Senado levou para os pênaltis a aprovação da CPMF e colocou a maioria de três quintos nas mãos de Renan Calheiros.
Se ele for cassado na quinta-feira, dificilmente o imposto do cheque sobrevive. Absolvido Renan, o governo precisa conseguir pelo menos o 49.º voto.
Corpo estranho
O senador Pedro Simon é um tipo raro. Devolve à Viúva cerca de R$ 15 mil mensais de duas aposentadorias a que teria direito. Distribuiu aos parentes tudo o que considerava supérfluo (uma casa comercial e imóveis). É irmão leigo da Ordem de São Francisco.
O comissariado já o pôs para fora de duas comissões do Senado.
Primeiro, da que cuida da ética. Agora, da Comissão de Constituição e Justiça.
Cofres e cisternas
Em abril de 2003, Nosso Guia animou uma festa no Palácio do Planalto.
Anunciou uma parceria com a Federação Brasileira dos Bancos, Febraban, para a construção de um milhão de cisternas no semi-árido nordestino:
"Acho que vamos conseguir este um milhão de cisternas muito antes do que vocês estão esperando".
Passaram-se mais de quatro anos, e a repórter Carolina Mandl revelou que as cisternas construídas foram 220 mil (22%).
Lula e a Febraban deveriam organizar uma nova festa, comemorativa da quebra, com folga, da marca dos R$ 40 bilhões de lucro pela banca.
Segundo a empresa Austin Ratings, quando Nosso Guia chegou ao Planalto o lucro dos bancos fechara o ano em R$ 25 bilhões. Essa foi a parceria que deu certo. Encher o cofre do andar de cima é mais fácil do que construir cisternas no andar de baixo.