Estimado presidente Obama,
Eu pretendia respeitar suas férias, mas os últimos acontecimentos no Oriente Médio mudaram minha idéia e decidi escrever-lhe, tratando de assuntos práticos.
Nos primeiros dias você fará bobagens incríveis. Não se precocupe.
Abraham Lincoln me contou que assumiu achando que podia dar ordens diretas aos oficiais da Marinha. Bill Clinton levou à posse um médico caipira que pediu ao chefe de serviço de saúde da Casa Branca para injetar-lhe uma ampola de anti-alérgico. Ele pensava que se pode espetar uma agulha com sabe-se lá o quê no presidente dos Estados Unidos. Essas são trivialidades, passemos ao ponto relevante.
Você sabe que há armadilhas no seu caminho, mas acredite: as piores são fabricadas em Washington. Veja o que me aconteceu.
Eu tinha uma semana de governo quando soube que treinávamos na Guatemala uma força expedicionária destinada a invadir Cuba. Disseram que esses homens não podiam ficar aquartelados indefinidamente. (Percebe? Devíamos invadir porque treináramos invasores.)
A expedição estava aos cuidados da CIA, supervisionada por Richard Bissell, seu vice-diretor. Ele era o encarregado das operações clandestinas da agência. Já não se fazem pessoas como Dick. Ele encarnava a nossa elite. Estudara em Groton, como oito dos Roosevelt, e em Yale, como cinco dos Bush. Annie, sua mulher, era amiga da Mary Pinchot, uma das minhas namoradas. Em 1954 Dick e sua equipe derrubaram o presidente da Guatemala e em 1960 depuseram Patrice Lumumba no Congo. No filme O Bom Pastor ele compôs o lado cerebral-chique de Edward Wilson (Matt Demon), mas Annie não era nenhuma Angelina Jolie.
Eu autorizei a invasão, desde que parecesse coisa de cubanos. Havia alguma contrariedade no Departamento de Estado, mas acreditava-se que ela tinha duas chances em três de ser bem sucedida. Deu tudo errado.
No dia 15 de abril de 1961, 1.511 homens desembarcaram na Baia dos Porcos e em 48 horas estavam presos num pântano, cercados pelo exército cubano. Bissell queria que eu autorizasse o envio de apoio aéreo. Neguei-o. Fiz papel de covarde, Obama, e esse é o ponto para o qual peço sua atenção.
Preferi fazer papel de covarde a envolver diretamente os Estados Unidos na invasão. Desde o primeiro momento eu dissera que não aceitava esse caminho. Bissell e sua turma acharam que eu cederia diante do desastre militar. Quando assumi, o prato já estava feito: ou me deixava levar pela coleira, ou pareceria medroso. Outro dia conversei com Dick e ele reconheceu que a máquina da CIA achava que a operação fracassaria. Ele apostou com as minhas cartas e perdeu. O McGeorge Bundy, que era meu assessor de segurança nacional, usa a palavra "armadilha" para explicar o sucedido. Bundy era amigo de Dick, mas acreditava que ele queria o lugar de diretor da CIA. É possível, porque o titular, Allen Dulles, estava cansado. (Logo ele, um charmeur que passara secretamente por vidas como a da rainha Frederica da Grécia, mãe de Sofia da Espanha.)
Imagine só: A Terceira Guerra poderia ter começado porque eu caí na armadilha do Dick, que invadiu Cuba para ficar com o lugar do Allen, que estava com gota.
Despeço-me com as recomendações de Jackie a Michelle, de John-John a Malia e Sasha, e minhas a todos.
John Kennedy
Elio Gaspari é jornalista.
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