As notícias de guerra e conflitos preenchem os noticiários nacionais e internacionais. A liberação da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, na metade do século 20; os acontecimentos de "11 de setembro" de 2001, que fizeram desaparecer de forma aterrorizadora o World Trade Center; a invasão do Iraque, no início do século 21; e, agora os conflitos entre Rússia e Geórgia, pelo domínio da região separatista de Ossétia do Sul. Eis alguns sinais de uma violência globalizada. Rubem Braga observa acerca da guerra: "Ela explodirá e enquanto não explodir estará lavrando surda". O que está no interior da guerra? Em 1933, Sigmund Freud escreveu um texto: Por que a guerra?
E a partir daí procurou responder à pergunta do físico Albert Einstein: "Existe alguma forma de livrar a humanidade da guerra?" Para Freud há um "mal-estar" rondando civilização, urge uma maior compreensão da relação direito e violência; pulsão e cultura.
Para Freud, há na guerra uma atitude dicotômica e interdependente: o direito e a violência. Uma coisa não vive sem a outra, por isso não há uma sociedade só de direitos. Mais ainda, enquanto houver justificativas para os direitos, haverá guerra. O ser humano quer ser feliz, para isso procura eliminar o desprazer em função de suas satisfações. O que decide tal propósito é o "princípio do prazer" que, domina, desde o início, o funcionamento psíquico, como constata em Além do princípio de prazer (1920). O desprazer ameaça a civilização.
Por que se busca a civilização e não a "barbárie"? Por que se servir da guerra para implantar a paz? Freud observa que é preciso analisar a pulsão, "a base do princípio primordial de funcionamento do aparelho psíquico". A partir de 1919, preferiu falar de pulsões: de morte e de vida; Eros, sobrevivência da espécie e do indivíduo, e Tânatos, ameaça da espécie e a preservação do indivíduo. As pulsões de morte dirigem-se para a destruição alheia e visa à autopreservação. Para Freud o Eros-Tânatos reflete a polaridade amor-ódio ou o prazer-desprazer, ligados ao oposto eu-objeto. Se o objeto é fonte agradável de prazer, urge o desejo de trazê-lo para mais perto e de incorporá-lo ao eu, eis o amor. Mas, se o objeto for fonte de desprazer, há uma repulsa por parte do eu que procura fugir e afastar-se dele, de forma a intensificar a rejeição e transformá-la em ódio.
Não há como eliminar as pulsões. O que se pode fazer é desviá-las de tal forma que não encontrem expressão na guerra. A proposta é que se trabalhe a pulsão de vida a fim de estreitar vínculos como: a) relações de amor, do tipo religioso: "Ama a teu próximo como a ti mesmo"; b) identificação: compartilha de interesses importantes para a sociedade humana.
Neste sentido, Freud propõe que o domínio da razão seja essencial para que se crie uma civilização voltada para a paz e não para a "barbárie". Assim, as modificações psíquicas das civilizações consistem no deslocamento racional dos fins pulsionais: fortalecer do intelecto; internalizar e sublimar as pulsões agressivas; escolher a paz.
Para o pai da psicanálise a guerra trás desilusões. Duas realidades despertam em nós este sentimento: a baixa moralidade dos Estados que se intitulam guardiões dos padrões morais, e a brutalidade dos indivíduos que participam da mais alta civilização.
O direito e a violência constituem, segundo Freud, a guerra, são projeções de forças psicológicas da pulsão: Eros e Tânatos, vida e morte. Se essas forças se canalizam na destruição alheia e na preservação de si, eis a guerra. À pergunta de Einstein "Existe alguma forma de livrar a humanidade da guerra?" Freud responde: sim. Quando o ser humano compreender que em sua própria casa, na razão, há um estranho a ser dominado: as pulsões. No exterior, ela só expressa um inconsciente vitorioso. Só há a guerra porque há quem a provoque. Acerca disso, já dizia Leon Tolstoi "enquanto houver matadouros haverá campos de batalha".
José Neivaldo de Souza é filósofo e psicanalista.
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