O rompimento do general Raúl Isaías Baduel com o projeto imperial do presidente Hugo Chávez indica que há de novo um cheiro de golpe de Estado na Venezuela. Um, nas palavras de Baduel, é do próprio Chávez, com sua proposta de plebiscito marcada para dezembro. É uma velha modalidade de golpe, celebrizada em 1929, na Itália de Benito Mussolini. Em benefício de Chávez, deve-se reconhecer que desde sua subida ao poder, em 1998, ele já colocou o cargo nas mãos dos eleitores em três ocasiões, e ganhou todas. Se o plebiscito for realizado, tudo indica que ele sairá vitorioso. O outro golpe é o do velho modelo latino-americano da segunda metade do século passado.

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Baduel era um irmão de fé de Chávez desde 1982, quando formaram uma sociedade secreta de oficiais. Em 2002, no comando da tropa de pára-quedistas, foi peça decisiva para desbaratar um golpe de generais de pouca tropa e empresários de nenhuma coragem, ambos servindo-se da militância dos meios de comunicação.

Em abril de 2002 a Venezuela estava parada e centenas de milhares de pessoas pediam a renúncia de Chávez. Era natural que as televisões dessem todo destaque às enormes passeatas. Na tarde do dia 11, havia duas manifestações na cidade. Uma, enorme, decidiu marchar sobre o palácio presidencial. Outra, menor, pretendia defendê-lo. Houve quem atirasse de cima de edifícios e um grupo de chavistas foi filmado disparando do alto de um viaduto. Morreram 19 pessoas. As manifestações transformaram-se em apelos para a deposição do assassino. Chávez rendeu-se e foi preso. Para o seu lugar foi o empresário Pedro Carmona, presidente da federação de empresários. Em nome da democracia, anunciou o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal. Menos de um dia depois, fugiu do palácio.

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Uma das principais peças da rebelião militar contra Chávez foi um discurso do almirante Héctor Ramirez, cercado de oficiais-generais, no qual ele dizia que "o presidente da República traiu a confiança do povo e está massacrando o povo inocente com franco-atiradores. Até agora já morreram seis pessoas." Problema: a fala do almirante foi gravada antes do disparo que fez a primeira vítima.

A cena mais chocante do dia mostrou os chavistas atirando de cima do viaduto Llaguno. Os noticiários transmitidos durante a jornada da crise davam a impressão de que eles disparavam contra manifestantes. O governo sustenta que se tratava de um tiroteio com a polícia municipal, oposicionista. Os tiros dados pelos chavistas não atingiram as pessoas mortas ou feridas mostradas pela televisão. Os disparos que fizeram vítimas deram-se entre 15h20 e 16h02 e a milícia bolivariana só foi filmada atirando depois das 16h38. Essa história está contada (com expressa militância chavista) no documentário "Puente Llaguno – Las Claves de una Massacre", disponível na internet.

A crise venezuelana está contaminada por dois blocos irredutíveis, bem ao estilo das confusões latino-americanas que acabam em golpes.

Pode-se detestar Chávez, mas não é justo que, para isso, se tenha que fazer papel de bobo. Ou acreditar que, em nome da democracia, meia dúzia de plutocratas possam fechar o Congresso e o Supremo Tribunal, como fizeram em 2002.

Elio Gaspari é jornalista.

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