Terminou nas últimas semanas o predomínio intelectual de uma corrente do pensamento econômico que governou o mundo por cerca de 30 anos.
Pode-se dizer que ela cabe no rótulo de "liberal", sem que se saiba o que isso quer dizer. Simplificando, ela encarnou a crença de que as forças internas do mercado são o elemento mais eficaz para conduzir os destinos das economias nacionais. Com o leme das nações entregue à "mão invisível", os males seriam corrigidos e a prosperidade, assegurada. Lorota.
O naufrágio ocorreu de forma humilhante, no governo de um presidente republicano nos Estados Unidos. George Bush tem na secretaria do Tesouro um fino espécime da banca, o ex-presidente da Goldman Sachs Henry Paulson. Para salvar a economia mundial dos delírios do mercado, até agora foram necessários uns três trilhões de dólares coletados nas Bolsas das Viúvas.
Trinta anos de hegemonia produziram arrogância e até maus modos. No Brasil, "desenvolvimento" tornou-se uma palavra maldita e "desenvolvimentista", uma modalidade de insulto. Além das leviandades do governo Collor, da privataria tucana e do colapso cambial de 1999, a onipotência chegou à soberba. Dois diretores do Banco Central (Afonso Beviláqua e Rodrigo da Rocha Azevedo) não se dignaram a colocar suas biografias no portal da instituição pública em que trabalhavam. Conduta semelhante, só nos BCs da Coréia do Norte, Lesoto e Armênia. Noutro exemplo do cotidiano, em 2003 a editora brasileira do economista Joseph Stieglitz, Prêmio Nobel de 2001, teve dificuldade para formar uma mesa de jantar em sua homenagem com 12 convidados de renome. Stieglitz era um crítico daquilo que o professor Delfim Netto chamava de "pensamento único" no debate econômico brasileiro. (Das cabeças coroadas, só Gustavo Franco aceitou o convite.) Em 2000, um concurso do Banco Central valorizava candidatos com formação semelhante à da ekipekonômica tucana.
Viajando-se no tempo e no mundo, percebe-se que a cada 30 anos uma escola de pensamento prevalece e massacra a outra. Na segunda metade do século passado a agenda passou às mãos dos chamados keynesianos.
Eram economistas que acompanhavam as idéias do inglês John Maynard Keynes, formulador da conveniência da intervenção do governo na economia. Do outro lado do debate estavam professores como o austríaco Friedrich Hayek e o americano Milton Friedman. Hayek sustentava que o planejamento econômico e a ação dos governos eram o "Caminho da Servidão", título de sua obra-prima, publicada em 1944. Comeu o pão que Asmodeu amassou. Em 1950, o departamento de economia da Universidade de Chicago negou-lhe uma posição de professor. Morava num bairro operário de Salzburgo numa casa comprada com o dinheiro da venda de sua biblioteca. Hayek ganhou o Prêmio Nobel em 1974. Dois anos depois foi a vez de Friedman.
Passados 30 anos de predomínio, os keynesianos saíram de cena. A vitória dos conservadores de Margaret Thatcher na Inglaterra, em 1979, e de Ronald Reagan nos Estados Unidos, um ano depois, significou um renascimento das idéias de Hayek e Friedman. Em 1980, o professor Robert Lucas (Nobel de 95) dizia que já não existiam mais bons economistas com menos de 40 anos identificados com o keynesianismo. O neologismo virou palavrão. John Kenneth Galbraith, uma de suas maiores estrelas, tornou-se saco de pancadas para os polemistas conservadores.
Seu último livro chamou-se A economia das fraudes inocentes e foi um ataque às extravagâncias do papelório.
Numa trapaça da história, foi um governo conservador, educado nas liberdades de Hayek e Friedman, quem conduziu a economia americana à bancarrota. Primeiro liberando as práticas da banca em nome da santidade do mercado. Depois, recorreu à mais elementar das construções keynesianas para evitar o desastre e foi buscar na Bolsa da Viúva o remédio para a intoxicação. Hayek e Friedman dificilmente defenderiam as políticas de seus seguidores. Quem botou fogo no mundo não foram eles, mas a mediocridade prepotente, colocada a serviço de um dinheirinho fácil.
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Biblioteca sem livros
Circula no comissariado cultural de Brasília uma proposta de criação, na cidade, de uma "Biblioteca Nacional de Ciência, Tecnologia, Inovação e Inclusão Social e Digital". Nome pomposo para uma girafa.
Logo em Brasília, único lugar do mundo onde existe uma biblioteca com uns 10 mil metros quadrados construídos ao preço de R$ 42 milhões, com 14 funcionários, inaugurada duas vezes. Uma beleza, mas nela não há livros para consulta pela patuléia. Tamanha excentricidade deveria fazer parte do roteiro turístico da capital: "Aqui, uma biblioteca sem livros".
Desde a fundação da cidade espera-se que Brasília tenha uma biblioteca pública com acervo de interesse geral, capaz de funcionar como o centro de uma rede de oferta de livros. Havendo o prédio, seria natural que se respeitasse a idéia original. Em vez disso, apareceu a proposta de se trocar a criação de uma "Biblioteca Nacional de Brasília" por um projeto de pretensão retórica e alcance limitado. A girafa vem com um palavrório: "A implantação de uma biblioteca com essas funcionalidades deverá estimular a curiosidade e interesse da sociedade, em geral, e das comunidades carentes, em particular, contribuindo para a difusão e divulgação da ciência, tecnologia e inovação, fundamentais para a formação cidadã e para a inserção social."
Tudo ficaria melhor se as coisas fossem simplificadas. Brasília precisa de uma grande biblioteca pública, organiza-se um acervo de interesse geral e oferece-se o serviço à patuléia. Se ela quiser livros de ciência, haverá de pedi-los.
Nobel de Krugman
Para o registro da competência do economista Paul Krugman.
Os profetas do apocalipse da economia norte-americana diziam que os Estados Unidos deveriam investir em atividades de alta tecnologia, fabricando produtos cujo valor agregado seria muito superior ao da indústria automobilística, por exemplo. Surgiu até uma piada: se não fizessem isso, acabariam produzindo batatas fritas (potato chips) em vez de semicondutores (computer chips).
Krugman foi aos números e informou: na indústria automobilística o valor agregado por trabalhador era de US$ 187,5 mil. Já nos semicondutores, ele ficava em US$ 96,4 mil, muito próximo do que sucedia na produção de batatas fritas, que era de US$ 76,7 mil.
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