Era um bordel. Belo, mas um bordel. Moçoilas vistosas, sisudos senhores. Todos envoltos em emoções regadas a goles de doces ilusões. Reinando, Samantha, dita "A Bela"; e aquele coronel bigodudo, dono de várias invernadas que mandava na região e, diziam, até no prefeito, no padre e no juiz: Touro era o apelido e falavam os festeiros maledicentes, aos cochichos, que assim era por um lado ante o apetite dele no fordúncio e por outro pela fome da suposta santa que tinha em casa dona Senhorinha quando estava longe dele e perto "deles".
Um dia, a dita Samantha (a Bela, que nunca é demais repetir frente a tanta formosura) fisgou seu par: casou com o fazendeiro, que a tirou do bordel, reconstruiu sua pureza no lado secular com o médico doutor Donato e no lado temporal com o padre Nicolau, em operações delicadíssimas e específicas. Tudo acabando num festejo de três dias que sacudiu a sociedade local, onde toda a vizinhança se fez presente "para encher a pança, beber e dançar".
Mas... abriu-se uma vaga. Isso: sobrou lugar no bordel, unzinho, mas bom. Quem vai? Os comentários corriam em toda a região. Muita mocinha bem escondidinha pensava; muita mamãe zangada e papai louco para dar uns tiros. O padre nervoso. O juiz preocupado. O prefeito chocado:
E se isso acontece com as outras meninas? E se a casa acaba? Como fica a arrecadação? O mundo cai no município! Como nos arranjamos eu e a Câmara sem as reuniões de alto nível para discussão do orçamento entre plumas e paetês? Ah! Vai ser danado passar as noites de sexta agüentando a patroa falar dos netos...
Tumulto geral! Um mundaréu de moçoilas chegando de tudo quanto é canto atrás daquela vaga, daquela, umazinha. Umas lindas, outras feias; umas difíceis, outras fáceis. Mas todas desejosas. Reuniram-se com o prefeito, com o padre, com o juiz e resolveram que ali havia um sentimento democrático:
Vamos fazer eleição disseram em coro o alcaide, o vigário e o magistrado, todos sob aplausos gerais das candidatas e do povão atrás delas Aquela que for eleita numa grande votação que faremos na cidade onde, por certo, seria proibida a entrada das patroas, porque aí não haveria democracia que agüentasse... terá o cargo.
E foram comunicar o decidido à madame Dupuis, a dona do bordel, que antes era Marineide, mas depois virou Dupuis graças a algum tempo de viração e prestígio entre os clientes. Havia comprado a casa de antiga dona, que já estava ficando fora de todas as formas com o passar dos anos e os "petits-fours" regados a champanhe.
Eleição aqui? berrou Madame. No meu canto mando eu! Vou trazer minha filhinha Dorotéia, que é ótima. Vejam a foto dela.
Todos viram o retrato e não gostaram: ela era fora dos conformes. A clientela queria escolher uma das outras pretendentes ao cargo. Mas madame Dupuis disse que os conformes não eram os deles e sim os dela.
Ditadura! berrou o prefeito.
Egoísmo pecaminoso! gritou o padre.
Nepotismo! sentenciou o juiz.
E palmas da clientela!
É minha a casa e é também minha a filha, selou madame Dupuis, fechando a questão da nomeação e, para a humilhação de todos, marcando dia e hora para a posse.
Caso encerrado. Prefeito, padre, juiz, clientes, todos frustrados. Povo arrasado com Dorotéia e seus tristes conformes, que nem freguês arranjava, tendo de fazer outras tarefas que não o tradicional daquela casa: desvio de função! Falavam até em trazer nova marafona para assumir após ser devidamente desapropriado, em tempo recorde, o estabelecimento; talvez uma Dupuis de verdade, vinda de fora, pudesse resolver. Um sentimento de revolução, que atingiu também as esposas até então silentes.
E, pior: nomeante e nomeada ambas acabaram com os mesmos destino e fama, ficando a partir de então por todos no bordel e na região conhecidas a primeira como "A Própria" e a segunda, no desvio de função, como "A Filha da Própria".
Moral da história: não fuja da democracia nem no bordel. A vítima pode ser você!
Manoel José Lacerda Carneiro é presidente do Instituto dos Advogados do Paraná.
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