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Outro dia vi uma moça de 17 anos que foi pega pela polícia arrombando uma casa. Não era a primeira, nem a segunda, nem a décima vez que isto ocorria. Ela disse – com todas as letras – aos policiais que a conduziram à delegacia que tinha de "aproveitar", porque "enquanto é de menor roubar não dá em nada".

Pouco tempo depois, um menino de 12 anos foi detido vendendo crack em uma lan house. A Polícia Militar havia sido avisada por um telefonema anônimo, e quando revistou o menino encontrou em seus bolsos quinze pedras de crack. A primeira reação dele foi esbravejar contra uma garota que teria pedido para comprar a droga fiado e, tendo ele negado, o teria denunciado à PM. Na delegacia, a história já era outra: fazendo carinha de anjo e batendo as pestanas, dizia ele que teria conhecido pela internet uma moça, que o teria encontrado na lan house e pedido para que guardasse um pacote com as pedras de crack, tendo-lhe dito que voltaria mais tarde para pegá-lo.

O mais impressionante nisso tudo não é apenas a idade do menino, mas também sua aparência: tratava-se de um menino bem alimentado, mas pequeno para a idade. Dir-se-ia ter ele 10 anos, se tanto. Um anjinho da mamãe.

Fosse ele judeu, em mais um ano iria tornar-se bar mitzvah, ou "filho do mandamento". Na religião mosaica, aos 13 anos de idade o rapaz passa a ter a obrigação de cumprir os 613 mandamentos. Antes disso, não é obrigado a nada, e só não come carne de porco, por exemplo, para não se acostumar. Após atingir esta idade, ele é obrigado a cumpri-los todos.

Na religião católica, aos 7 anos de idade considera-se que uma criança – sem deixar de ser criança – é capaz de discernir o certo e o errado, ao ponto de ser capaz de escolher entre o Céu e o Inferno. A partir desta idade a criança pode – deve – se confessar quando peca e, estando preparada, comungar.

A questão da capacidade de discernimento ao cometer um ato maléfico é crucial tanto no judaísmo quanto no cristianismo, religiões cuja noção de culpa está intimamente ligada à consciência do erro.

Em nossa sociedade, contudo, ao menos desde a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, finge-se que o "adolescente infrator" (essa é a expressão legal a descrever quem comete crimes dos 12 aos 18 anos: até esta idade, até mesmo um estupro seguido de morte e esquartejamento é apenas um "ato infracional", com pena máxima de três anos de "medidas socioeducativas") é completamente incapaz de compreender o mal que faz.

O problema não é, com querem alguns, a arbitrariedade de escolher os 18 anos como "idade do juízo" para fins penais. Qualquer medida geral vai forçosamente ser generalizante. Os judeus escolheram os 13, os católicos os 7, a lei brasileira os 18.

O problema real é o quanto essa data é tardia. Minha bisavó casou-se aos 13, a mesma idade com que comecei a trabalhar. Meu avô saiu do Espírito Santo e foi morar sozinho no Rio de Janeiro aos 16, para estudar. Todos esses atos implicam um mínimo de discernimento e responsabilidade, sem a qual não se constrói uma sociedade.

Quando a sociedade se nega a reconhecer a responsabilidade dos jovens pelos atos criminosos que cometem, quando um crime horrendo se torna um mero "ato infracional", o que se faz é negar a esses jovens o respeito que se lhes é devido. É uma falta de respeito tratar como imbecil um rapaz que tem plena consciência do crime que comete, que sabe perfeitamente que roubar é errado e mesmo assim rouba; que traficar é errado e mesmo assim trafica. Essa falta de respeito para com a capacidade de discernimento – realmente presente – dos jovens traz como resposta automática a falta de respeito por parte deles em relação à sociedade como um todo.

O "adolescente infrator", seja ele um menino de classe média que vende drogas ou comete atos de vandalismo ou o menino de família pobre que assalta um transeunte, está devolvendo à sociedade a falta de respeito que ela lhe devota. Ele comete crimes porque pode. Ele sabe que nada que faz é levado a sério. Ele sabe que tem um passe livre para fazer o que bem entender e por isso é tão comum que os integrantes mais jovens de uma quadrilha assumam legalmente os mais bárbaros atos cometidos por seus membros.

Nada mais justo que dar aos jovens o respeito que eles merecem, e tratar seus crimes com a seriedade devida. Em muitos casos esse respeito será devolvido, e a sociedade estará mais segura. Em outros, será assegurada a justa punição, e o efeito será o mesmo.

Carlos Ramalhete é professor e filósofo. carlosgazeta@hsjonline.com.br

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