O governo Lula começou a terminar no dia 26 de outubro, no meio da crise econômica mundial, quando o PT perdeu a eleição em São Paulo e José Serra, um dos candidatos da oposição, elegeu Gilberto Kassab. Naquela noite desmancharam-se o Brasil do pré-sal, a base triunfalista do projeto eleitoral do poste Dilma Rousseff e a funcionalidade do discurso da "marolinha".
Nosso Guia está diante de uma adversidade que lhe nega o papel que melhor desempenha. Não pode mais culpar os outros ("Bush, resolve tua crise") nem propor idéias exóticas (uma reunião de todos os presidentes dos Banco Centrais, inclusive a doutora Siosi Mafi, do reino de Tonga). Constrangido, Lula carrega a bola de ferro da taxa de juros insana imposta por um ente extraconstitucional chamado Copom. Ele, que não veste smokings, vê-se metido na casaca de maestro de uma ekipekonômica cuja sabedoria universal quebrou o mundo. Uma enrascada: não pode ser o que gosta de parecer e é obrigado a continuar parecendo-se com o que não gosta de ser.
Em abril passado Lula chegou a pensar (e a agir) para mudar o rumo da política econômica do seu governo. A conquista do "investment grade" pelo Brasil anestesiou-lhe a audácia e, dali em diante, passou a dizer que "o Brasil vive um momento mágico".
A idéia segundo a qual um presidente pode rolar a crise econômica injetando otimismo no mercado demanda uma precondição: o discurso não pode agredir a realidade. Os juros altos agravarão os efeitos da crise internacional sobre o Brasil. Quando uma economia paga 13,75% ao ano e perde US$ 7,1 bilhões num só mês, aquilo que poderia ter sido um remédio virou veneno.
Os dois anos de governo que restam serão difíceis, e a maneira como Nosso Guia e a nação petista lidarão com a adversidade haverá de marcar a história da sua gestão. Num quadro de dificuldades econômicas e fortalecimento de candidaturas oposicionistas, não se pode prever qual será o grau de ferocidade com que os companheiros irão à campanha, muito menos o nível de desembaraço que oferecerão aos aloprados com suas sacolas de lona. Ressalve-se que se percebe no tucanato um certo encanto pelo adestramento de mastins, bem como uma habilidosa manipulação de aloprados com malas Vuitton velhas.
Pode parecer um exagero a afirmação de que o governo de Lula já começou a terminar, mas o senador Garibaldi Alves (PMDB) e o deputado Arlindo Chinaglia (PT) deram um sinal premonitório: ambos gazetearam uma cerimônia organizada por Lula no Planalto. Isso aconteceu no dia 28 de novembro, uma sexta-feira. Os dois tinham mais o que fazer em seus estados. Como se diz nos palácios, em fim de governo só quem bate à porta é o vento.
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Lulômetro
Em setembro passado, o mago Warren Buffett botou US$ 10 bilhões no banco Goldman Sachs. Foi uma demonstração de confiança no sistema financeiro. O bilionário comprou a ação a US$ 121 e, na semana passada, ela valeu US$ 70. Em tese, Buffett perdeu US$ 4,2 bilhões. (Em 2002, o Goldman Sachs criou o Lulômetro, um derivativo de terrorismo eleitoral.) Se Buffett tivesse optado por comprar dólares no Brasil a R$ 1,80, com a cotação encostando nos R$ 2,50, teria ganhado perto de US$ 4 bilhões.
Lero-lero
Quando o governo não sabe o que fazer, anuncia que tratará da reforma tributária. Quando seu projeto atola, deixa o assunto para depois e informa que cuidará da reforma política. Cumprida a escrita da primeira mágica, Nosso Guia parte agora para a segunda, aos cuidados do jurista-companheiro João Paulo Cunha, cuja meteórica passagem pelo cardinalato parlamentar confundiu-se com a acensão e queda do mensalão.
Protecionismo
De quem ganhou muito dinheiro no comércio exterior: "Tudo indica que a próxima fase da crise trará um surto de medidas protecionistas. Elas nada terão a ver com desastrosas barreiras erguidas em 1930. O protecionismo virá disfarçado por medidas de proteção social, ambiental e sanitária. Quem produz seja lá o que for com mão-de-obra aviltada, agressões ecológicas ou desleixo sanitário deverá lutar por seus negócios".
A diplomacia dos camelôs de armas
Triste fim de uma política externa bufa. O presidente que, em junho de 2003, propôs a taxação do comércio internacional de armas para financiar um fundo capaz "dar comida a quem tem fome" tornou-se avalista da venda de cem mísseis de ataque ao Paquistão, um dos países mais pobres do mundo, com renda per capita de US$ 2.900 anuais, 50 milhões de habitantes vivendo abaixo da linha da pobreza e 50% de analfabetos. (Os militares comem 40% do PIB.) Pior: Nosso Guia autorizou a venda dessas armas ao Paquistão numa época em que precisa do apoio da Índia para fingir que ressuscita as negociações comerciais da rodada de Doha. O acerto dos mísseis é de R$ 255 milhões. Uma miséria se comparado aos bilhões comprometidos por brigadeiros, generais, empreiteiros e industriais irrespon$ávei$ que transformaram o Brasil num fornecedor de serviços, tecnologia e armas para o ditador Saddam Hussein.
A cruz do Ipea
Durante o mandarinato do professor Roberto Mangabeira no ministério-do-sei-lá-o-quê, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea, fechou seu Centro Internacional de Pobreza. Financiado pela ONU, ele foi uma referência mundial para estudos sociais e funcionava desde 2004. Chegou a ter 19 funcionários. O doutor pretende criar um centro de estudos de relações internacionais. Talvez para ter um lugar onde possa falar inglês. O Ipea busca espaço para a instalação de 25 pessoas em Belém, onde pretende abrir uma representação. É provável que faça coisa parecida em Natal. Atualmente o instituto funciona apenas em Brasília, com uma pequena filial no Rio, onde foi fundado.
Memória seletiva
Dois repórteres do "The Times" (Ben Mcintyre e Paul Orengoh) mostraram que Barack Obama amaciou a história dos penares de seu avô durante o período em que foi encarcerado, em 1949, pelo regime colonial inglês. Nas suas memórias, Obama transcreveu as lembranças da terceira mulher de Hussein Onyango Obama, a quem chama de "vovó Sarah". Em 12 linhas, ela conta que o marido foi acusado de participar da revolta nativista dos quenianos e preso "por mais de seis meses". Mais tarde, teria sido inocentado. Aos repórteres do Times, "vovó Sarah" contou que o marido ficou dois anos numa prisão de segurança máxima, sofrendo uma rotina de torturas. Não há documento que registre o reconhecimento de sua inocência.
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