No final do ano passado, a banca fez uma ofensiva sobre o Supremo Tribunal Federal capaz de dar inveja às tropas do marechal Zhukov durante a Segunda Guerra. Queriam derrubar o pleito dos poupadores tungados nos planos econômicos da época da hiperinflação. Quem tinha mil cruzeiros novos (a moeda de então) na poupança em janeiro de 1989 deixou de receber 204 cruzeiros por causa da mudança do indexador. Esse dinheiro vale hoje R$ 880. Por mais de uma década a banca fez de tudo, inclusive manobras tenebrosas no Supremo. Quando chegou a hora do julgamento, apareceu um número mágico: se os tungados prevalecessem, os bancos perderiam R$ 150 bilhões e iriam à breca. Outro cálculo falava em R$ 600 bilhões e o procurador-geral do Banco Central chegou a mostrar uma conta de R$ 1 trilhão. Os interesses da banca chegaram a produzir um manifesto de 13 ex-ministros da Fazenda. Cinco signatários tinham em suas biografias a glória de terem copatrocinado a ruína da hiperinflação. Falavam com a autoridade do fracasso.
O julgamento do Supremo foi adiado e recomeçará no fim do mês. A repórter Karin Sato revelou que uma equipe de economistas do banco Credit Suisse estimou que a pancada da devolução do dinheiro tungado está longe dos R$ 150 bilhões. Ficaria entre R$ 8 bilhões e R$ 26,5 bilhões.
Há um aspecto relevante nessa iniciativa. Ela não se destinou a decifrar arcanas questões do direito nem a defender o andar de baixo, mas a orientar grandes investidores internacionais. Se houvesse um risco de R$ 150 bilhões, os grandes bancos brasileiros estariam vulneráveis e seria arriscado comprar suas ações. É o contrário. O Credit Suisse informa que "a preocupação com o resultado do julgamento do Supremo Tribunal é exagerada e, a nosso ver, cria uma oportunidade de compra [de suas ações]."
Beleza de situação: banca cria o pânico e se o Supremo vota com ela, tudo bem. Se acontece o contrário, meia dúzia de maganos do mercado financeiro que conhecem os números, alegram-se com a queda do valor da ações, compram-nas e ganham um dinheirinho fácil.
Paim nada teve a ver com o surto histérico
Estava errada a informação segundo a qual o senador Paulo Paim (PT-RS) é o autor do projeto que tipifica os crimes de terrorismo com uma definição ambígua e penas mínimas superiores àquelas impostas pela Lei de Segurança Nacional da ditadura. Há dois projetos em andamento no Senado. Um é do senador Pedro Taques (PDT) e outro de Romero Jucá (PMDB). Paim nada tem a ver com eles. Pelo contrário, uma inciativa sua retarda a votação dos projetos. O senador Jorge Viana (PT-AC) propôs que eles fossem discutidos logo e pediu "um entendimento de líderes" para pôr "em apreciação já, no plenário, essa matéria". Felizmente isso ainda não aconteceu e o presidente do PT, Rui Falcão, dissociou o partido da iniciativa, contrariando a doutrina dos autores da Lei de Segurança da ditadura.
Enquanto o Senado teve um surto de histeria, veio do secretário de Segurança do Rio uma proposta que racionaliza o debate. Em vez de criar fantasmas, é um texto básico que trata de coisas elementares. Proíbe mascarados, muda alguns dispositivos do Código Penal e repete leis já existentes. Fica faltando na proposta de Beltrame algo que responsabilize sua polícia por agressões a manifestantes. Por exemplo: jogar gás de pimenta nos outros como se os seus PMs fossem propagandistas de perfume. Nunca será demais lembrar que o governador Sérgio Cabral não mexeu nas tarifas dos transportes sob sua jurisdição.
MantegaPode-se atribuir a Lula tudo o que a doutora Dilma faz ou deixa de fazer, mas não se deve botar na conta de Nosso Guia a manutenção de Guido Mantega no Ministério da Fazenda. Ele não defende sua permanência nem sua saída. Simplesmente já mostrou à doutora que deveria fazer o que achasse melhor.
Palpite
É possível, apenas possível, que a Comissão Nacional da Verdade leve em conta um sinal de fumaça visto no céu por alguns de seus membros. Os comandantes militares produziriam um documento reconhecendo a prática de crimes durante a ditadura. A iniciativa é despicienda, visto que os crimes estão perfeitamente documentados, mas teria a virtude de tirar dos ombros da cúpula militar do século 21 uma cumplicidade continuada com delitos ordenados, estimulados e louvados pelos hierarcas do século 20. Ao calar sobre a tortura e os assassinatos, os atuais comandantes se comportam como se o presidente do Banco Central não tratasse da hiperinflação na história da instituição. Além desse reconhecimento, seriam abertos ao público novos documentos. A ver. Em troca, seria deixado de lado o tema da mudança na Lei da Anistia de 1979, que protegeu torturadores e assassinos. Só estão vivos oficiais que, à época, eram, no máximo, majores. Os generais que puseram a roda em movimento nada têm a temer, pois morreram. Ademais, para que a Lei da Anistia seja mudada, seriam necessários o apoio do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, coisa difícil de acontecer.
Lewandowski piscou
A História é uma trapaceira. Às vezes, passa na porta da biografia de uma pessoa e ela não percebe. Na quarta-feira, o ministro Ricardo Lewandowski presidia a sessão do Supremo Tribunal Federal quando a multidão convocada pelo MST se colocou diante do prédio. Temendo uma invasão, suspendeu a sessão e foi para seu gabinete. Nenhum manifestante entrou no tribunal. A biografia do ministro seria outra se tivesse outra atitude e dissesse: "Ninguém neste país interrompe uma sessão do Supremo Tribunal. Prossigamos". A doutora Dilma, alertada, transferiu sua agenda do Planalto para o Alvorada. Faz tempo, Juscelino Kubitschek dizia que a capital devia ir para o Cerrado goiano porque um quebra-quebra de bondes no Rio era suficiente para sitiar o governo. Com exemplos como os de Lewandowki e da doutora, um dia a capital vai para Roraima.
Avanços sociais
Durante o governo de Lula, o ministro Fernando Haddad anunciou a criação do Enem, que ofereceria à garotada dois exames por ano. A novidade diluiria a tensão que obriga milhões de jovens a jogar um ano de suas vidas num só exame. Em 2012, uma portaria do MEC oficializou a melhoria e em 2013 a doutora Dilma reiterou o compromisso. Cadê? Ao assumir o Ministério da Educação, o doutor José Henrique Paim informou que a realização do segundo exame está fora de questão. Sobrou a lorota. Haddad, por sua vez, está na prefeitura de São Paulo, onde sua administração cortou a cota de lápis dos alunos das escolas públicas de seis para quatro. Gestão de avanços sociais é isso aí.
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