Apurados os votos, algumas análises se confirmaram. Primeiro, a despeito das imperfeições e críticas, nosso sistema político é, de fato, competitivo. Segundo, a competição se dá menos entre partidos do que entre lideranças. Estas não deixam de estar ligadas a partidos, claro, mas, quando aprovadas nas urnas, não consagram automaticamente seus partidos. Terceiro, por mais que partidos e máquinas governamentais tenham capacidade de arrebanhar votos e por mais que as lideranças possam influir, não decidem os resultados eleitorais, pelo menos nas grandes cidades.
É na campanha que a opinião pública se forma. Têm peso a influência das lideranças, a propaganda, as máquinas partidárias e governamentais, mas é o desempenho do candidato, com seus gestos, discursos e atos que finalmente decide o voto. Ninguém elege um poste. Nada a estranhar nesse processo: é assim que o eleitorado decide nas democracias de massas, com partidos relativamente débeis e personalidades cujo simbolismo ou cujas características podem ou não se ajustar às expectativas momentâneas dos eleitores.
Não se pode dizer que o PT tenha saído eleitoralmente derrotado, pelo bom desempenho que teve nas grandes cidades. Mas saiu, sim, politicamente enfraquecido, pela derrota nas principais capitais, mesmo naquelas em que o presidente Lula se jogou pessoalmente na campanha.
Esse resultado pode ser interpretado de vários modos, todos plausíveis, nenhum conclusivo. Talvez por trás da rejeição ao lulo-petismo nas capitais, comece a haver uma sensação ainda não muito nítida, mas presente, de que nem tudo vai tão bem no país, como proclama o presidente, seja devido aos primórdios da crise econômica, seja pela corrupção impune, ou até mesmo pela "fadiga de material", depois de tantos anos. Nada disso, entretanto, autoriza a prever os resultados a serem alcançados em 2010, pois não há conexão direta entre eleições municipais e nacionais. De qualquer modo, as oposições podem sair mais esperançosas, pois o fantasma da avalancha petista ou do eleitor de postes desvaneceu.
É certo que a instalação da crise econômica no mundo, sem dúvida a maior desde 1930, já está afetando a economia e o sentimento do povo e afetará mais ainda. As oposições não devem, porém, apostar no "quanto pior, melhor". Que ninguém se iluda: quanto pior, pior. Seria uma vitória oposicionista de curto fôlego, se ao alcançar o poder o novo presidente e seu grupo tivessem que continuar apagando incêndios em meio aos escombros deixados na economia real e nas contas públicas pela crise financeira. Não acho que devamos minimizar o que está ocorrendo, nem jogar com a crise para construir o futuro eleitoral. O governo já abusou da opinião pública menosprezando a gravidade da situação. No início, mesmo nos EUA e na Europa, desconhecia-se a extensão e a profundidade da crise, até que se percebeu que ela se havia espalhado por todo o sistema financeiro. A crise de liquidez se converteu em crise de confiança e tanto Bancos Centrais como Tesouros Nacionais foram obrigados a coordenar-se e intervir para garantir não apenas a liquidez, mas a solvência do sistema. O custo que o socorro generalizado imporá ao bolso dos contribuintes está por ser avaliado. Certamente eles pagarão a conta dos desatinos cometidos nos países ricos na espiral de endividamento e consumo sem lastro, turbinada por derivativos financeiros.
Entre nós, os efeitos imediatos dessa situação foram a retração de crédito, inicialmente para as exportações, com o corte das linhas de financiamento em dólares, e a desvalorização e volatilidade acentuadas da taxa de câmbio (o real é uma das moedas mais debilitadas pela crise, apesar das reservas de 200 bilhões de dólares). Parte do problema com a taxa de câmbio deve-se às posições especulativas anteriormente assumidas por empresas exportadoras que tomaram recursos em dólar, apostando que a moeda norte-americana não sofreria maior desvalorização, e aplicaram esses recursos em reais, para aproveitar dos elevados juros domésticos. Tudo isso nas barbas do Banco Central... Com a mudança no comportamento do câmbio, houve muita procura por dólar para pagamento dos empréstimos contraídos, o que reforçou a desvalorização do real.
Dizer que essa crise não afetará nossa economia é brincar com o fogo. Haverá, sim, retração pela diminuição do crédito e pelo encolhimento do mercado internacional e, em menor proporção, do mercado interno. Logo, o crescimento será significativamente menor em 2009 e provavelmente em 2010. O governo poderá minimizar a desaceleração se, depois da letargia inicial, agir com presteza e concentrar os gastos naquilo que é essencial: a infra-estrutura.
Diante da gravidade do quadro, as oposições e o governo precisam agir responsavelmente. É dever daquelas exigir transparência nas medidas adotadas pelo governo para evitar favorecimentos indevidos a grupos e setores econômicos à custa dos impostos pagos pelo povo. Por outro lado, não deve faltar apoio ao que for necessário e urgente. Todavia, se as oposições quiserem ganhar as eleições presidenciais terão de ampliar os horizontes de esperança, unindo-se, o quanto antes, em torno de uma chapa que, pela competência, pela seriedade de atitudes e pela trajetória política, desperte a confiança de que o país pode e deve avançar ainda mais rápido e melhor do que tem avançado nos últimos 15 anos.
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