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A Gazeta do Povo divulgou ontem que 54 ex-vereadores de São Paulo – entre eles, o atual prefeito paulista Gilberto Kassab (DEM) – foram condenados a devolver R$ 98 mil cada um, por sonegação fiscal. Essa condenação não seria surpreendente, não fosse o fato que os responsáveis pela ação foram quatro idosos, que há 17 anos entraram com uma ação popular contra os vereadores, por terem ficado indignados com a informação que eles não estavam recolhendo Imposto de Renda. Entretanto, embora o episódio seja o desfecho de uma atuação de cidadãos em prol do bem público, casos como esse são ainda muito raros. Há uma dificuldade imensa em criar uma cultura pública. Alterar esse quadro de apatia, no entanto, é uma questão que teremos que nos debruçar nos próximos anos, se quisermos nos tornar uma democracia. O leitor que serviu de mote para essa coluna, Edison Camboim, acredita que "o Estado poderia incentivar essas participações (na vida política do país) e a mídia deveria ser a janela por onde essas ações fossem mostradas ao público, enaltecendo a cidadania daqueles que se dispusessem seguir esse caminho." Ele vislumbra no incentivo estatal e na divulgação dos meios de comunicação caminhos para a transformação da sociedade. Dificilmente haverá uma resposta satisfatória para essa questão, mas e você?

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"Participação em partidos políticos é o estágio final da cidadania. Devemos iniciar com um estímulo a agregar as crianças em grêmios estudantis desde a metade do ensino fundamental", a análise veio por e-mail, do leitor Edison Cam­boim. Ele tem razão. A participação política não se restringe à vida partidária. A formação de uma cultura de participação política somente é viável se desde cedo os cidadãos aprenderem que o debate público faz parte de suas vidas cotidianas. O problema, como sempre, é tornar isso realidade.

Fundar uma sociedade de cidadãos pode exigir o esforço de centenas de anos. Os ingleses começaram no século 13 a treinar o exercício do poder popular, quando instituíram os tribunais do júri e lançaram os cidadãos no banco dos juízes. Uma vez lá, os cidadãos tiveram de aprender a proteger os bens da comunidade, passaram a se sentir responsáveis por negócios que não diziam respeito somente a seus próprios umbigos. Acabaram por se descobrir eles próprios... Governo. O tribunal do júri, diz Alexis de Tocqueville em A Democracia na América, "ensina os homens a praticarem a equidade" e obriga "o homem a voltar a atenção para os negócios estranhos aos seus, elimina o egoísmo privado que é a ferrugem da sociedade". É claro que os tribunais do júri por si só não explicam a existência de uma sociedade de cidadãos, mas indicam o impacto que pode ter alguns mecanismos institucionais na criação de uma cultura democrática.

Se não podemos competir com séculos de exercício de cidadania dos ingleses, podemos ao menos tentar copiar o exemplo americano. Ao estudar o ambiente institucional dos Estados Unidos, Tocqueville na mesma obra declara que os cidadãos americanos aprendiam na escola a conviver com regras que eram estabelecidas por eles mesmos, o que os conduzia, na maturidade, a aceitar a vida política como algo habitual. Da análise de Tocquevile para cá muita coisa mudou em solo americano, mas o hábito de discutir assuntos públicos está disseminado nas escolas daquele país. Nas chamadas ligas de debates, os jovens americanos participam de torneios em que se discute questões públicas. O objetivo é familiarizar estudantes com o debate político.

Caso nos inspiremos no exemplo americano, a instituição de ligas de debate nas escolas brasileiras, desde o ensino fundamental, será um bom começo para nos retirar do atraso cultural em que vivemos. Não se trata de reviver a educação moral e cívica dos tempos militares, mas de tornar corriqueiro o debate de questões públicas. O hábito de discutir os problemas que afligem a sociedade, como fosse algo tão natural quanto comentar os mais recentes acontecimentos picantes do "Big Brother Brasil", traz à sociedade como efeito colateral a consciência de que se é responsável pelo próprio governo.

Se desejarmos implantar uma cultura de cidadania adequada às exigências de nosso tempo, a escola terá de mudar, pois seu papel será fundamental. Elas têm a virtude de conferir poder ao indivíduo, embora não estejam muito à vontade para explorar essa qualidade. Nesse contexto, a educação é essencial para construir uma nova cidadania, que vá além do voto. Se as escolas aceitarem esse desafio, nossa revolução cultural estará apenas começando.

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