Enquanto a sociedade dispersa a atenção com os escândalos da Lava Jato, da Operação Zelotes e, no Paraná, da Operação Publicano, a Câmara dos Deputados está prestes a aprovar uma reforma política “revolucionária”. O único inconveniente é que, aprovada a reforma, o país estará realizando uma “revolução para trás”.
Os deputados tiveram uma ideia genial. Sob o pretexto de economizar o dinheiro do contribuinte e de facilitar as “relações institucionais”, pretendem estabelecer eleições simultâneas, com mandatos de cinco para todos os cargos e decretar o fim da reeleição para o Executivo. É a tal da economia burra. É de se questionar quem foi o gênio que imaginou ser democrático reduzir a frequência de eleições para economizar dinheiro público. Se querem economia, melhor seria reduzir as verbas de gabinete, acabar com as emendas individuais que servem apenas para promoção pessoal e não produzem um mínimo impacto estrutural no país.
A unificação eleitoral é péssima para a democracia sob qualquer ponto de vista. Imagine a sobrecarga cognitiva. O eleitor vai precisar analisar as propostas dos candidatos presidenciais para a economia, saúde, educação, política externa, trabalho e emprego, cidadania etc. Vai ter de se informar também sobre o que prometem os candidatos a governo estadual. Vai ter também de saber o que os candidatos a prefeito dizem o que querer fazer com a cidade. E ainda vai precisar escolher um entre diversos candidatos ao Senado, sem contar as centenas de candidatos a deputado federal, estadual e... vereador.
Debate superficial
O modelo proposto é contraproducente. Ninguém consegue tratar de política com profundidade se precisa avaliar, discutir propostas e escolher candidatos para sete cargos em quatro meses. O risco, adverte o repórter Chico Marés, em reportagem publicada pela Gazeta do Povo na segunda-feira (18), é o debate presidencial sufocar “as discussões internas de cada município”, o que, evidentemente, traz prejuízos inevitáveis à democracia em nível local.
Sem falar que não é nada pedagógico. Quatro anos sem eleições, sem discutir projetos para o país, os estados, os municípios. Sem o exercício do voto em períodos mais curtos, o eleitor tende a se afastar da política, já que a prática eleitoral se torna rara. Como bem pontuou o repórter Chico Marés, “trata-se de algo inédito” – faz mais sentido que os debates das diferentes esferas de governo “sejam feitos cada um em seu momento específico”.
O “distritão”
Há outros pontos tão ou mais polêmicos quanto esse no projeto que pode ser votado na próxima semana na Câmara. Se o país precisa de algum tipo de reforma política não é o que está sendo desenhado pela Câmara.
O modelo do “distritão”, proposto pelo relator da reforma, Marcelo Castro (PMDB-PI), por exemplo, é uma bizarra inovação que, na prática só tende a piorar o sistema político. Pelo modelo, nas eleições para deputado os mais votados de cada partido são os declarados eleitos. Ideia simples e péssima, ao privilegiar de forma desproporcional os candidatos em detrimento dos partidos, que perdem qualquer relevância que poderiam ter.
Participação popular
As propostas encaminhadas pelos deputados dão a impressão de que a reforma política está sendo feita para atender os interesses dos atuais donos do poder. Os deputados do PMDB estão propondo o que é melhor para eles e seus pares. Certamente não é esse tipo de reforma que o país precisa.
Para a sociedade, o problema é que a reforma política deve ser votada na comissão especial que analisa o tema na Câmara nesta segunda-feira (25). Os cidadãos poderiam, neste momento, até estar mais engajados, mas, com os escândalos na Petrobras dominando as manchetes de jornais, o debate sobre a reforma acabou ficando em segundo plano.
Às vésperas da votação, entretanto, a sociedade esboça uma reação. Nesta quinta-feira (21) uma coalizão formada por 100 entidades, entre elas a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Ordem Nacional dos Advogados do Brasil (OAB), entregou para o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), uma proposta de reforma assinada por 650 mil eleitores. Esse projeto, entre outras medidas, acaba com o financiamento de campanha por empresas, indo em direção contrária ao projeto da Câmara.
Embora o esforço seja notável, a proposta do movimento chamado Reforma Política Democrática e Eleições Limpas não pode ainda ser protocolada como de “iniciativa popular” por não ter as 1,5 milhão de assinaturas necessárias. Mas é um contraponto importante para que, ao menos, tente-se impedir que a reforma política proposta na Câmara não torne capenga a democracia brasileira.