Conspiratório, vergonhoso, covarde e sem noção. O tom dos trabalhos da Câmara dos Deputados presidida por Rodrigo Maia (DEM-RJ) está ficando pior que o da gestão do seu antecessor, o ex-deputado, hoje preso, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Numa barganha a portas fechadas com líderes partidários da esquerda e da direita, Maia aceitou trocar uma segunda presidência da Câmara pela aprovação da anistia do caixa dois.
Mas, depois da repercussão negativa na opinião pública, o Democrata decidiu adiar a votação do projeto e, num estranho desabafo, disse que ninguém poderia se sentir ofendido, porque o plenário do parlamento é soberano. Deve ser brincadeira.
É bem verdade que Congresso Nacional exerce seu papel de forma soberana, mas jamais lhe foi dada liberdade para conspirar contra a democracia. Não há termo mais suave. Parte dos deputados federais se elegeu cometendo crimes eleitorais e agora sabe que pode aparecer na delação premiada dos executivos da Odebrecht. E para evitar a punição por subverter o processo democrático que lhes conferiu o mandato, agora pretendem legislar em causa própria, aprovando uma regra que em nada beneficia a sociedade. Pelo contrário, subverte às instituições democráticas e apenas gera impunidade.
Somente uma visão distorcida do que é uma democracia permite aceitar que os representantes do povo, reunidos no plenário da Câmara, detenham soberania para produzir normas que salvem da lei parte de seus membros – corruptos que agora estão sob investigação judicial. Somente a crença de que a sociedade vai aceitar em silêncio essa desfaçatez é que pode levar a uma tentativa de tamanha ilegitimidade.
Os parlamentares sabem que a investida em curso contra as instituições é, do ponto de vista político, ilegítima e vergonhosa. Reconhecem que lhes trará desgastes. Por essa razão faltou coragem para virem a público encarar a opinião pública. Nos bastidores, decidiram diluir o dano pessoal e partidário, numa estratégia de apresentar a emenda da anistia de forma conjunta pelas lideranças.
Contudo, essa decisão covarde seria ainda pior para a democracia caso fosse levada adiante. Sem responsáveis diretos, a culpa pela aprovação de um projeto ilegítimo, violador da cláusula democrática, iria recair sobre toda a Câmara, desgastando ainda mais um dos poderes da República.
O que mais espanta é que o parlamento se ocupa de salvar a pele de parte de seus integrantes, num momento em que deveria estar preocupado em debelar a crise econômica. Essa falta de noção do momento presente, da necessidade de discutir soluções e deliberar sobre elas, mostra o quanto boa parte dos parlamentares se mostra incapaz de exercer o cargo e quanto será necessário uma atenção da sociedade sobre os atos que praticam em frente às câmeras e na calada da noite.
Insensíveis, vivendo com salários nababescos e regalias dignas de sultões enquanto a qualidade de vida da população está em queda acentuada, arriscam ver novas manifestações volumosas sobre o Congresso Nacional. Essa incompetência em se conectar com a população tende a produzir o inusitado de unir novamente militantes das diversas matizes partidárias que, agora, caem na real em relação a seus líderes de esquerda e de direita. A tentativa de anistiar o caixa dois, fracassada até agora, mostra que a corrupção atinge a todos os partidos e vai ser combatida duramente por toda a sociedade. Mas não se enganem, eles vão tentar de novo.
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