Uma crise de responsabilidade toma conta atualmente dos governantes no país. O fato por si só já seria trágico, não estivesse a irresponsabilidade atingindo também as militâncias partidárias.
Inteligência coletiva 1
Alguns alunos do Grupo de Estudos Liberalismo e Democracia, do curso de Direito da UFPR, conseguiram fazer uma piada ser a prova inequívoca da burrice. Eles filmaram encenação em que um deles usa um livro (O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota, de Olavo de Carvalho) para bater em um boneco do tamanho do próprio acadêmico. O aluno xinga-o “seu comunista filho da p*, comunista de m*”. Para tornar a cena mais surreal, ao lado lê-se em uma folha de papel em branco: “Espaço Herzog”, numa alusão à Vladimir Herzog, jornalista torturado e morto na ditadura militar.
Inteligência coletiva 2
Os alunos teriam se defendido dizendo que “o boneco representa o comunismo, algo que a gente não gosta”. Felizmente o país é uma democracia e todos estão livres para seus manifestos artísticos, de ideias e doutrinários. Não estão livres, entretanto, de serem alvo de crítica.
Inteligência coletiva 3
Fruto da imaturidade e da ignorância, a brincadeira é lamentável. Ofende Herzog, assassinado por um Estado ditatorial. Sugere a ideia equivocada de que um defensor do comunismo pode ser espancado por defender doutrina avessa à visão dos acadêmicos, algo profundamente antidemocrático. Passa a ideia equivocada de que os defensores do liberalismo são como os alunos, adeptos de uma corrente de pensamento irracional e dogmática, avessa à razão e ao debate democrático. O liberalismo tem dado ao longo de décadas importantes contribuições para a filosofia política.
Inteligência coletiva 4
A tola brincadeira acaba por mistificar o debate público – nós, os liberais, contra eles, os comunistas – e gera desinformação. Essas bobagens ajudam a proliferação de hordas de militantes irracionais, dispostas a defender partidos ao custo da razão. Não se trata de defenestrar os alunos. Jovens, eles podem desenvolver valores democráticos. Estudar John Rawls e liberais de outras matizes certamente vai contribuir mais para a consolidação da democracia que polêmicas juvenis. O grupo de estudos conseguiu ser notado. Pode agora ser notável.
No governo federal, ninguém assume a responsabilidade pela dilapidação do patrimônio público investido na Petrobras. No caso da estatal, o produto do crime existe e está sendo repatriado ao país. Só o ex-diretor Pedro Barusco está devolvendo à empresa R$ 157 milhões que estavam em contas na Suíça. As evidências mostram que o esquema envolvia partidos, empresários e operadores, em moldes que lembram o mensalão. Até o momento é difícil saber se algum político irá ser denunciado e condenado. Além disso, nem a presidente Dilma Rousseff nem o PT assumem sequer parte da responsabilidade pelo aparelhamento político ocorrido na Petrobras.
No Paraná, até o momento ninguém se sente responsável pela violenta repressão de professores na semana passada, que resultou em mais de 200 feridos. Durante audiência na Comissão de Direitos Humanos do Senado, realizada quarta-feira (6), o presidente da Juventude do PSDB do Paraná e assessor especial do governo, Edson Lau Filho, responsabilizou os sindicatos, “mestres na arte da vitimização e do drama”. Lau Filho não fez menção nenhuma aos excessivos meios empregados nem à necessidade de responsabilização dos que determinaram o uso de violência generalizada.
Em entrevista, o secretário Fernando Francischini deu a entender que a Polícia Militar agiu por conta. Ele não teria nenhuma responsabilidade pelo ocorrido. A cúpula da PM emitiu nota desmentindo o secretário e afirmando que ele não só sabia como aprovou o plano de ação. Já o governador Beto Richa, em entrevista logo após a ação policial da semana passada, isentou a PM de responsabilidade, culpando baderneiros e black blocs.
Ao mesmo tempo, entre as truculências contra professores no Paraná e os desvios bilionários na Petrobras, a sociedade tem assistido a um amplo e perverso debate nas redes sociais. Amplo (o que é bom) porque o “comentarismo” político caiu no gosto do povo. É a democratização da opinião. Perverso porque a desinformação e o dogmatismo são a tônica dominante, especialmente usados por hordas de militantes, que usam as redes para justificar comportamentos condenáveis de governantes.
O resultado dessa combinação de irresponsabilidade política, conivência da militância e campanha de desinformação nas redes sociais é explosivo. Tenta-se atingir reputações, em vez de assumir responsabilidades e prestar contas à sociedade. É uma crise de valores sem precedentes, que terá de ser resolvida pela sociedade.
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