Em Dersu Uzala, o cineasta Akira Kurosawa retrata a história de capitão Vladimir Arseniev, um explorador do exército russo que faz amizade com um caçador da etnia nanai. Esse caçador é Dersu Uzala, que, se de início serve de guia para o capitão enfrentar o rigoroso inverno russo, ao fim vai levá-lo a uma jornada ética iluminadora.
Quando encontram uma cabana abandonada no meio da estepe, Dersu Uzala concentra-se em coletar pedaços de madeira e consertar a cabana. Ao terminar, pede a Arseniev, uma caixa de fósforos, um pouco de arroz e sal. Junto com alguns galhos secos deixa tudo dentro da cabana. O capitão pergunta a ele o motivo de estar fazendo aquilo. O caçador responde que estava deixando a cabana pronta para que o próximo viajante (seja lá quem fosse) tivesse o que comer, onde se abrigar e como se aquecer.
Aos olhos de muita gente ainda hoje a visão de Dersu Uzala pareceria estúpida. Afinal, deixar recursos, ainda que modestos, para desconhecidos usufruírem poderia não parecer uma ideia lá muito sensata. Mas o capitão Arseniev, da mesma forma que um considerável número de cidadãos bem-intencionados dos dias atuais, identificam na atitude de Uzala uma sabedoria a ser levada para todas as searas da vida.
É uma perspectiva pautada pelo desapego. A mensagem é de que se deve cuidar do mundo para que outros, independentemente de quem sejam, no futuro possam dele desfrutar. O conceito de sustentabilidade deriva de argumentos muito semelhantes. O mesmo não se pode dizer da política brasileira.
A mediocridade é em grande medida a regra dos atores políticos que conduzem o Congresso Nacional e o governo federal dos dias de hoje. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), já decidiu paralisar os trabalhos das comissões e, com isso, vai atrasar a análise de medidas importantes para colocar as contas do governo em dia. Essas medidas – o que inclui a volta da CPMF – podem nem mesmo ser aprovadas, dada a visão medíocre do governo federal em ver a solução no aumento da carga tributária, sem ao menos pensar seriamente no corte de gastos. Apesar do discurso de ajuste fiscal, o governo de Dilma Rousseff atua praticamente no aumento de impostos e na liberação de recursos para endividamento da população, numa clara demonstração de que a “nova matriz econômica”, pautada no consumo, jamais foi descartada e tende a causar ainda maior estrago.
Os tempos são sombrios. Ao caos na economia, une-se, como a segunda face da mesma moeda, a política pautada em interesses pessoais que joga o país no imobilismo. Muita coisa precisa mudar rápido, num ritmo muito mais acelerado do que anda a tradicional vida pública brasileira, cada vez mais enferrujada.
A partir de um singelo exemplo, Dersu Uzala mostra que valores são a chave para essa mudança de comportamento cultural. Outro dia mesmo, a Unidade de Inteligência da The Economist demonstrou o quanto é importante ter uma cultura orientada para a busca do bem comum. No índice de democracia da The Economist, o Brasil caiu sete posições, do 44º lugar passando para o 51º lugar. O motivo foi justamente a piora da cultura política nativa. Não bastasse isso, o índice registrou também a baixa participação das pessoas na vida pública do país.
É urgente refletir sobre o legado que será deixado para as próximas gerações. Mas não vale achar que tudo vai se resolver se a sociedade só ficar pensando, num estado monolítico, como a estátua de Rodin. O Brasil precisa mesmo é de mais gente agindo como Dersu Uzala.