Na Idade Média o carnaval era o período em que as fronteiras sociais temporariamente se rompiam e, por alguns dias, nobres, burgueses e servos tornavam-se iguais, caindo numa alegria festiva. O riso era a vitória sobre o medo e sobre a intimidação autoritária. A festa significa a renovação de esperanças para um futuro melhor, numa realidade mais justa. Essa concepção de riso carnavalesco é descrita por Mikhail Bakhtin, em Cultura Popular na Idade Média e na Renascença: "O lado cômico e popular da festa tendia a representar um futuro melhor: abundância material, igualdade, liberdade".
Embora as ideias desse teórico russo sejam vistas com reserva atualmente por parte da crítica especializada, elas tornaram-se praticamente um mito da alegria libertária e são divertidas o suficiente para servirem de reflexão em pleno carnaval. Pois, naqueles quatro dias, o riso adquiria um caráter subversivo que atingia toda a população, desfigurava hierarquias e transportava a vida para uma utopia de liberdade e igualdade. Entretanto, a liberdade medieval oferecida pelo riso era um luxo que acabava com a Quarta-Feira de Cinzas. O mundo voltava a ser sério e todas as barreiras sociais e toda a dominação dos senhores eram restabelecidas com o fim da festa.
O escapismo do homem medieval se dá para uma utopia de um mundo livre. Embora hoje vivamos numa realidade completamente diferente daquela da Idade Média, algumas atitudes presentes nas festividades daqueles tempos serviriam muito bem se fossem incorporadas em nossa atitude cotidiana. Poderiam ajudar a consolidar uma mentalidade republicana no país.
Há muito que se fazer para se alcançar a utopia da igualdade. Somos uma sociedade que dá privilégios à classe política. Somos também uma sociedade em que o abuso de poder é generalizado que vai desde o estudante da Polícia Civil que quer dar "carteirada" para entrar em bar a filhos de ex-presidente que querem dar "carteirada" internacional, com passaporte diplomático.
O riso era o motor da utopia igualitária medieval e pode voltar a sê-lo, a exemplo do que aconteceu na difusão dos ideais iluministas da Revolução Francesa. Foi o riso que fez o povo francês se familiarizar com as concepções dos filósofos a população não lia Voltaire nem Diderot, mas "olhava" as caricaturas e os pasquins. O riso como forma de crítica social pode expor problemas sociais com desenvoltura. Como instrumento de educação cidadã, facilita a tomada de consciência sobre a realidade e pode mobilizar estudantes para se interessarem por um assunto débil e sem graça. Pode se tornar a vitória sobre a alienação.
Isso não quer dizer que se deva "achar graça" dos desvios de conduta que ocorrem na vida pública brasileira. É preciso manter a capacidade de se indignar e de se mobilizar contra desmandos políticos. Mas é um excelente auxiliar contra a decepção e contra a vontade de desistir de se interessar por política. O homem até pode ser um animal político, como declarava Aristóteles, mas antes disso ele é um animal que sabe rir.
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