A ampliação da cultura política tem como importante aliado o orçamento participativo. Atualmente, a maioria absoluta das prefeituras se limita a seguir à risca o que diz a legislação de finanças públicas e realiza meras consultas populares para coletar sugestões para a elaboração do orçamento. Com isso, tenta-se tornar o governo mais aberto à participação do cidadão. Mas não se tenha ilusões. Jamais as pessoas sairão de suas casas em coro, a fim de propor onde se deve empregar o dinheiro público, se esse esforço não resultar em políticas públicas.
Isso ficou muito claro na reportagem publicada pela Gazeta do Povo na semana passada "Curitibano ainda influi pouco no orçamento da gestão municipal". O texto mostra que a participação da população em apresentar sugestões orçamentárias é pequena, entre outros fatores, por causa da baixa cultura participativa da sociedade na esfera pública.
Por meio do orçamento participativo a população decide, mediante deliberação em assembleias e conselhos, as prioridades de investimentos em obras e serviços, com base na capacidade financeira da prefeitura. Esse mecanismo surgiu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 1989, na gestão do petista Olívio Dutra, mas se disseminou em mais de uma centena de cidades do Brasil e da Europa.
Há dezenas de trabalhos a respeito. Eles demonstram que o orçamento participativo produz um efeito redistributivo, com maior alocação de recursos em áreas de baixa renda, ao mesmo tempo em que possibilita elevar o nível de cultura política da população, pois estimula o compromisso do cidadão com a esfera pública, que passa a se perceber como corresponsável pela tomada de decisões financeiras do município.
Benefícios
Em seu estudo "Participação e redistribuição: O orçamento participativo em Porto Alegre", o economista Adalmir Marquetti mostra que o orçamento participativo foi capaz de atribuir poder aos setores pobres da população da capital gaúcha. Até 1989, esses setores jamais tinham tido voz ativa na definição de políticas públicas estatais. "A atratividade do orçamento participativo está no fato de que a própria população pode propor e decidir, não somente sobre programas de combate à pobreza, como também sobre o futuro das cidades", afirma ele, no artigo.
De acordo com Marquetti, percebe-se que entre 1989 e 2000 o orçamento participativo proporcionou expansão de serviços públicos nas áreas em que moram pessoas menos favorecidas. Ao permitir que segmentos pobres e organizados da população participem do poder, afirma ele, a democratização do funcionamento do estado tende a propiciar a inclusão desses setores sociais no processo de desenvolvimento.
O cientista social Leonardo Avritzer, em "O orçamento participativo e a teoria democrática: um balanço crítico", demonstra que o orçamento participativo é capaz de criar "civismo". "O caso de Porto Alegre demonstra que esse mecanismo pode se tornar a forma predominante, senão exclusiva de deliberação sobre recursos públicos, incidindo de modo positivo sobre a relação entre sociedade e estado", declara ele no estudo citado.
Condicionantes
Segundo os estudiosos, há alguns fatores a serem considerados para que seja possível ter sucesso na implantação do orçamento participativo. São eles:
1) "Infraestrutura" associativa comunitária. O êxito depende da existência prévia de uma cultura associativa mínima, não hierárquica, na sociedade.
2) Participação popular vinculada à tomada de decisões orçamentárias. O governo não pode apenas consultar a sociedade. Da discussão com os cidadãos deve surgir uma proposta a ser executada. Do contrário, não há estímulo para a participação.
3) Capacidade de investimento e credibilidade. A população precisa confiar que há recursos para se investir no que foi deliberado.
4) Vontade política. Sem compromisso governamental, dificilmente se consegue adesão popular para a realização do orçamento participativo.
Ao estabelecer mecanismos de orçamento participativo, evita-se que se perpetuem práticas clientelistas e se tornam transparentes as regras utilizadas para priorizar gastos públicos no atendimento das demandas da população. O mecanismo requer esforço governamental, recursos disponíveis para investimentos, e um mínimo de cultura associativa da população. Num estado em que o discurso da "gestão inovadora" está disseminado, fica a pergunta: qual prefeito do Paraná está disposto a encarar o desafio?
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