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As últimas semanas foram férteis em demonstrações de que as instituições e a sociedade brasileira não vão bem. De um lado, patrimonialismo – uso de cargo e bens públicos para fins pessoais – e corporativismo de agentes públicos. De outro, cidadãos manifestando comportamentos extremos, que vão da apatia ao radicalismo partidário nas redes sociais. Seguem os fatos:

1) Nem bem o primeiro turno esfriou e os deputados da Assembleia Legislativa do Paraná já pensaram em como levar vantagem usando dinheiro público. Um grupo de deputados condiciona a eleição do próximo presidente do Legislativo à criação de um plano de aposentadoria complementar, usando dinheiro público. Num país sério isso seria ilegal. No Brasil pode até ser que a Justiça considere ilegal. Mas ainda não se sabe qual será o veredito final.

2) O Conselho Nacional de Justiça regulamentou na terça-feira o auxílio-moradia no valor de R$ 4,4 mil para todos os magistrados do país, sem discutir a legalidade do benefício. A regulamentação seguiu o que determinou o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), que ordenou estendê-lo para todos os juízes do país.

3) No mesmo dia, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) também regulamentou o auxílio-moradia. O CNMP entendeu que os membros do Ministério Público devem receber o benefício por uma questão de igualdade com a magistratura. A decisão desmoraliza o Ministério Público, instituição criada para, entre outras coisas, fiscalizar o cumprimento da lei e da Constituição. Infelizmente o interesse corporativo se sobrepôs à missão do MP. A validade do auxílio-moradia sequer foi analisada pelo pleno do STF. Além dos questionamentos legais e constitucionais pendentes sobre o assunto, estima-se que o país vá gastar R$ 1 bi por ano com o benefício.

4) A filha do ministro Luiz Fux concorre a uma das vagas para desembargador do Rio de Janeiro, pelo quinto constitucional (vagas destinadas a membros do MP e da advocacia, que tenham notável saber jurídico). Segundo reportagem da Folha de S. Paulo publicada em 22 de setembro, Marianna Fux, 33 anos, entretanto, não anexou documentos que comprovassem dez anos de experiência para concorrer à vaga. Para resumir, veja o título da reportagem: "Pressão de Fux por nomeação de filha faz OAB do Rio de Janeiro alterar processo de escolha".

5) Em depoimento nesta quarta-feira à Justiça Federal, o doleiro Alberto Youssef contou em detalhes como era feita a distribuição de propina paga por empreiteiras para financiar partidos, a partir de um esquema montado na Patrobras. Os valores desviados da estatal chegam a R$ 1 bilhão.

6) Essa sucessão de fatos mostra que o Brasil vai mal e o gigante continua dormindo. Depois da invasão black bloc nos protestos, ninguém nem pensa em sair para a rua em manifestações pacíficas, porque já se tem a certeza de que elas irão acabar sem legitimidade, com violência.

7) Dos protestos, nenhuma força política nova surgiu. Os resultados das eleições estão aí para comprovar.

8) Enquanto isso, nas redes sociais... Internautas deixam a razão de lado e partem para a ignorância contra os dois candidatos dos partidos que disputam a presidência. Com tanto destempero verbal perde-se o que as redes têm de melhor – a possibilidade de construir diálogos coletivos inteligentes.

Em meio a tudo isso os cidadãos interessados permanecem ofuscados. No Segundo Tratado sobre o Governo Civil, John Locke diz que o governo torna-se ilegal quando deixa de cumprir o fim para o qual foi criado, transformando-se numa tirania. Para o pensador inglês, a tirania ocorre quando o exercício do poder ultrapassa os limites do direito, com o objetivo de atender a interesses dos governantes e não o bem comum. E quando isso ocorre o cidadão tem o direito de resistir. O pensamento de Locke foi amplamente usado para justificar as revoluções liberais, influenciando, por meio dos filósofos franceses, a Revolução Francesa.

É tão absurdo quanto indesejável que fatos como os acima colocados sejam suficientes para justificar reações violentas da sociedade. Porém, toda a vez que o corporativismo vence, as instituições se fragilizam e podem levar a reações imprevisíveis no longo prazo.

Mas é tão razoável quanto desejável que os cidadãos lembrem que as instituições foram criadas para servi-los. Sem essa consciência o Brasil vai continuar indo mal. E os mais ignorantes vão continuar a achar que a morte de alguns líderes partidários vai definitivamente resolver os problemas do país.

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