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Cem dias, sem solução

A Câmara de Curitiba sempre surpreendendo. Para pior. Cem dias após a divulgação da denúncia de irregularidades envolvendo o presidente da Câmara de Curitiba, João Cláudio Derosso (PSDB), sua esposa e contratos de publicidade milionários, o tucano continua na direção da Casa com o aval da maioria dos vereadores. O Legislativo local voltou a atolar sua imagem na lama, na semana passada, com a ausência do vereador Dirceu Moreira (PSL) na reunião da comissão de inquérito na quinta-feira. Não bastasse a ausência de Moreira, o vereador Pastor Valdemir Soares (PRB) saiu da reunião aos gritos, depois de discutir com Noêmia Rocha (PMDB) e Professora Josete (PT). Está faltando responsabilidade aos vereadores. O assunto que está sendo tratado é grave. Não cabe dissimulações. Porém, o clima de pizza é tão evidente que, sem pressão popular, a investigação se tornará apenas uma peça de mau gosto. Lembrando que as eleições municipais acontecem em menos de ano, sugiro que os interessados em combater a corrupção fiquem na cola dos vereadores. Que tal começar desde já a fiscalização da atividade parlamentar?

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Enquanto o mundo político é palco tradicional de discursos longos, truncados e sem conteúdo, a sociedade dá exemplo de como, em seis minutos e 40 segundos, é possível expor ideias claras e criativas. No sábado à noite, a capital paranaense foi palco do Pecha Kucha Curitiba (algo como "burburinho", em japonês) – Construindo e Desconstruindo Ideias. Na ocasião, 14 palestrantes expuseram temas que vão da "baixa gastronomia" local a uma história crítica do hino nacional. Em um formato bastante convidativo – apresentar 20 slides, um a cada 20 segundos (20 x 20) – o evento provou que "menos é mais".

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O Pecha Kucha (www.pecha-kucha.org), desenvolvido por arquitetos japoneses, ocorre anualmente em 449 cidades do mundo e é uma lição de inovação. O evento reforça a constatação de que boas propostas emergem mais rapidamente da sociedade que de governos. É dela que vem o impulso transformador, especialmente em razão da imobilidade de governos para realizar de modo eficiente as coisas mais simples. O maior exemplo de falta de habilidade criativa governamental é o fato de ainda hoje não haver disponíveis informações públicas, de forma fácil, didática e que possa ser retrabalhada pelos usuários nos meios digitais (computadores, celulares, tablets).

Mas, muito além do formato inovador, o evento deixou evidente a coerência entre discurso e prática dos palestrantes. A tônica dominante foi apresentar conceitos derivados de suas experiências. A título de curiosidade, um dos palestrantes, o fotógrafo Gus Benke, resumiu muito bem a postura que adota em seu trabalho. Para ele, na fotografia "o segredo está na criança". Ou seja, em olhar tudo como se fosse novo, como se fosse visto pela primeira vez.

Já no ambiente político brasileiro, predomina o cinismo. Os políticos se acostumaram a incorporar em seus discursos bordões como "choque de gestão", "transparência" e "combate à corrupção". Mas a realidade desmente a prática. Veja-se o exemplo da "transparência" da Assembleia Legislativa do Paraná. Conforme demonstrou o colunista Rogerio Galindo, desta Gazeta, na quarta-feira passada, antes de vir a público na imprensa, nunca o Portal da Transparência havia divulgado a informação de que o presidente da Casa, Valdir Rossoni (PSDB), recebia gratificação que dobrava seu salário. É de questionar também a tão esperada transparência do governo estadual. Não se tem notícias até agora da existência de medidas inovadoras que tenham sido implementadas para tornar o governo mais aberto.

Como a sociedade é mais eficiente em produzir métodos criativos, é necessário o despertar de uma consciência da necessidade de radicalização da transparência pública. A sociedade deve pensar em formas de pressionar órgãos da administração pública – governos, parlamentos, tribunais de contas – a fim de que contribuam para ampliar a oferta de informação pública, de preferência em formatos abertos, que possam ser retrabalhados em aplicativos digitais. E os gestores públicos, por sua vez, deveriam adequar o discurso da transparência à prática. Num ambiente hiper-modernizado, com redes digitais inundando cidades tanto quanto as enchentes, a genuína abertura das instituições seria aproveitada pela sociedade para gerar boas ideias, produtos e serviços. Aqui cabe um paralelo com o conceito estético de Gus Benke, é preciso repensar as instituições como se elas fossem algo novo, pois "o segredo está na criança".