A semana começou com a queda de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e termina com a 2.ª Semana da Democracia. O desfecho do processo de cassação, após dez vergonhosos meses, não deixa de ser um alento. A Semana da Democracia, de outro lado, é um foco de esperança.
Não só pelo evento em si, que reúne especialistas nacionais e internacionais em reflexões sobre a cultura democrática. Mas pela proposta que é o pano de fundo do encontro: o projeto Cidade Modelo, cujo objetivo é tornar o Brasil uma democracia plena em 25 anos. A estratégia do Instituto Atuação, organizador do evento e também do Cidade Modelo, é fazer de Curitiba um case nacional de cultura e participação democrática, a partir de critérios estabelecidos em um índice de democracia local desenvolvido por especialistas de todo o mundo.
Começar pequeno, para aprender rápido, e, depois, rapidamente promover uma escalada na qualidade da democracia é um bom plano. Tem dado certo para todos grandes negócios emergentes que nasceram desde o final do século 20. Mas é preciso considerar que o esforço para a mudança de cultura, especialmente a política, é algo ainda não muito bem dimensionado.
Há muitos estudos sobre democracia que podem servir de base para ação, mas dificilmente eles irão dar conta de estabelecer fórmulas mágicas a serem seguidas na experiência concreta de participação e deliberação política. Mesmo quando atividades que estimulam a participação e a democracia são realizadas, poucas vezes existe a preocupação com o impacto transformador da iniciativa.
Cidadãos são sensibilizados por essas ações, sem dúvida, podem inclusive replicar e disseminar o aprendizado, o que é desejável. A grande quantidade de ações pontuais pode gerar padrões de comportamento emergente e, num mundo digital tomado pela complexidade, uma certa dose de caos torna mais robusto o sistema democrático. Mas dificilmente ações desordenadas, sem metas claras e alinhamento dos atores, darão resultados para objetivos ambiciosos.
Quando indivíduos, coletivos e instituições decidem se reunir para um objetivo comum, é como se um cometa rasgasse o céu noturno e de súbito iluminasse a terra. Muita coisa se aclara num lampejo. Experiências e valores são compartilhados; expectativas, ajustadas; laços de amizade e confiança, fortalecidos. Conhecimento novo é gerado e realimenta as atividades transformadoras.
Essa dinâmica fica prejudicada quando o capital social é reduzido. Felizmente o Atuação pode contar com uma imensa rede de colaboração e solidariedade que vem se consolidando em Curitiba. Atualmente há ativistas de toda a sorte empreendendo mudanças cívicas. Eles acumulam valiosos conhecimentos que certamente vão fazer a diferença no detalhamento da estratégia e na execução de planos de ação.
O esforço e o propósito dessas organizações não serão recompensados com o sucesso sem o apoio dos movimentos setoriais tradicionais da sociedade e do mundo empresarial. A demora de dez meses para cassar Eduardo Cunha, fato histórico vergonhoso para a Câmara, jamais seria possível numa democracia plena. A sociedade faria os deputados temerem o pior. Por isso, eles jamais a tratariam com o escárnio.
Hoje boa parte das pessoas está engajada na velha arte de reclamar e ditar o “como deveria ser”. Só que chegou a hora de superar os próprios vícios inerentes dessa ética do moralismo público pautada apenas no discurso. O apoio de toda a sociedade na proposta do Cidade Modelo é uma forma de passar desse reclame dos “especialistas”, para assumirem a responsabilidade de agir. Para realizar essa transição chegou a hora do “vamos todos” transformar a democracia.
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