Em breve Curitiba terá mais um shopping center. A administração do Pátio Batel pretende abri-lo em setembro, um ano após o previsto. Parte do atraso se deve a ajustes urbanos exigidos pela prefeitura, por conta do impacto que o empreendimento causará no entorno.
Em princípio, parece funcionar bem o atual esquema: 1) grupo empresarial quer construir shopping; 2) prefeitura exige algumas intervenções urbanas e de tráfego para garantir a fluidez do trânsito e segurança dos pedestres; 3) grupo cumpre com as exigências, abre o shopping e todos ficam felizes. Mas não é bem assim.
Já faz tempo que o planejamento urbanístico de Curitiba está se submetendo aos interesses comerciais dos shoppings centers. No caso do Pátio Batel, parece que algumas lições foram aprendidas. Tanto que a prefeitura multou o Grupo Soifer por ter construído mais área do que o permitido. Entretanto, uma das medidas de mitigação previstas, para dar maior fluidez ao trânsito, era a abertura de uma via ligando as ruas Hermes Fontes e Bruno Filgueira, o que exigiria o corte de árvores do bosque da Casa Gomm, unidade tombada pelo Conselho Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico (Cepha).
Essa proposta absurda está temporariamente suspensa, por conta de uma ordem judicial. Mas como é que Curitiba, cidade tão (exageradamente) famosa por causa de seu planejamento urbano, chega a uma situação tão extrema como essa?
Experiência com shoppings a prefeitura já tem. Em 2001 e 2002, rendeu muita polêmica na cidade a aprovação de uma lei pela Câmara dos Vereadores que permitia ao Grupo Soifer, administrador também do Shopping Mueller, a construção de uma passarela de vidro sobre a Rua Mateus Leme. A obra, já há tempos incorporada no visual urbano da cidade, era vista como uma pavorosa intervenção que serviria apenas aos interesses privados.
Na época, a imprensa recebeu dossiês, que tinham a intenção de comprovar irregularidades na obra e no projeto de lei. Os vereadores diziam que não havia favorecimento e que inclusive seria aprovada a construção de outra passarela: sobre a Avenida Visconde de Guarapuava, para ligar um estacionamento com a sede da FAE e o Colégio Bom Jesus. Os projetos foram votados, a passarela da Visconde nunca saiu do papel, mas pouca gente se lembra disso.
Ainda em 2001, a imprensa também recebeu dossiês questionando a construção do ParkShopping Barigüi, do Grupo Multiplan. Nesse caso também houve intervenção da Justiça: uma decisão liminar de novembro daquele ano suspendeu temporariamente a obra, suspeita de causar dano ambiental no entorno. A liminar foi cassada, o shopping foi construído e pouca gente se lembra dessa história.
A construção do Shopping Palladium também demandou intervenções urbanas executadas pelo administrador, o Grupo Tacla. Uma delas foi a trincheira na via rápida do Portão. Mas o projeto previa o alargamento da rua, "roubando" espaço de um conjunto de condomínios, que conseguiu na Justiça a interrupção da obra. Seis meses depois, a prefeitura teve que destacar pessoal e estrutura para solucionar o imbróglio, pedindo a desapropriação da área. A obra finalmente foi concluída, assim como o shopping, que abriu e, como nos outros casos, deixou todos felizes e desmemoriados.
Há também casos que provocaram questionamento pelo uso de imóveis históricos, por exemplo. Os shoppings Estação, Curitiba e Mueller ocupam imóveis históricos da cidade: originalmente eram uma estação de trem, um quartel militar e uma metalúrgica, respectivamente.
Dos três empreendimentos, apenas o Museu Ferroviário, no Shopping Estação, é tombado pelo Patrimônio Histórico do estado. Os outros dois são considerados Unidades de Interesse de Preservação (Uips) de Curitiba, e por isso a prefeitura pode estabelecer alguns limites e diretrizes que afetem a fachada. Preste atenção: pode estabelecer, não quer dizer que o faça.
Shoppings são cômodos, confortáveis e necessários para a economia. Mas não entendo como o poder público tem sempre tanta dificuldade para regular e exigir compensações de empresas que lucram enormemente após causarem um grande impacto urbano. Triste constatar que, historicamente, a prefeitura de Curitiba nunca deu muita atenção à voz das ruas, mas sempre ouviu a voz dos shoppings.