Dos 319 anos que Curitiba completou nesta semana, acompanhei 34 de perto minha idade. Independentemente de sermos curitibanos de nascimento ou de coração, toda pessoa que mora aqui, paga seus impostos e contribui na produção de riquezas local tem o direito de reclamar das deficiências ou de apontar sugestões. Isso vale principalmente para as pessoas que gostam daqui e querem que Curitiba se torne cada vez melhor, no que me incluo.
Jaime Lerner teve um papel importante na construção de Curitiba do modo que a conhecemos hoje. Como prefeito, conseguiu organizar muito bem a capital, apesar de ter exagerado na publicidade de "cidade-modelo", o que contribuiu para o inchaço populacional de toda a região metropolitana. Também falhou muito como governador do Paraná, pois aí deixou de exercer sua verdadeira vocação urbanista e dedicou-se à política, na qual não apresentou habilidades memoráveis.
De olho no futuro, Lerner implantou a coleta seletiva e o programa Lixo que não é Lixo ainda em 1989, três anos antes da Rio 92, que marcou o ponto inicial da preocupação ambiental para o grande público brasileiro. O programa ainda está aí, mas não funciona tão bem como deveria. É comum ver a coleta de lixo comum levando os produtos recicláveis, mesmo que estejam embalados em sacos de cores diferentes e distantes entre si. Além disso, os catadores de lixo de Curitiba respondem por grande parte da coleta de reciclados, e não contam com apoio institucional ou mínimas condições de vida.
O ex-prefeito também se preocupou com os espaços públicos. São da sua gestão a abertura da Pedreira Paulo Leminski, do Jardim Botânico e da Ópera de Arame, por exemplo. Claro que ele cometeu erros a acústica do novo teatro sempre foi ruim, assim como os bancos de arame. Mas foram obras que inseriram a cidade em um circuito de grandes shows e apresentações, e que ajudaram na transformação cultural do que antes podia ser considerada uma capital provinciana.
Provavelmente, a principal contribuição de Lerner para Curitiba foi o sistema de ônibus. Na primeira gestão como prefeito (1971-1975) ele implantou as canaletas exclusivas para ônibus. No início da década de 90 chegaram o Ligeirinho e o ônibus biarticulado. A despeito das falhas que cometeu, principalmente na gestão do governo do estado, o currículo é extenso, o que lhe valeu a condição de consultor das Organizações das Nações Unidas (ONU) para assuntos de urbanismo.
Falha social
O relato das obras de Lerner não tem o propósito de exaltar o ex-prefeito, até porque os indicadores sociais do período não evoluíram no mesmo ritmo com que ele enchia a cidade de tubos e material aramado. Os dados do período são escassos, mas dá para saber como evoluiu a questão do analfabetismo, por exemplo. Entre 1992 e 1999, Curitiba não conseguiu reduzir a taxa de analfabetismo em ritmo tão rápido quanto a média brasileira. Segundo o IBGE, o índice entre as pessoas de 15 anos e mais caiu de 6,2% para 5,1% da população curitibana (-18%), ao passo que no país o índice caiu de 17,2% a 13,3% (-23%). Comparando com outras capitais desenvolvidas, o desempenho foi ainda pior. São Paulo teve uma redução de 7,3% para 5,1% no período (-30%), e Porto Alegre, de 6,3% para 4% (-37%).
Portanto, o propósito de resgatar nosso passado recente é questionar aonde queremos chegar como cidade. Para o bem ou para o mal, Lerner traçou nosso caminho até aqui. E daqui para frente?
Futuro
Em meio a tantas mazelas e desmandos Brasil afora, podemos nos sentir privilegiados. O problema é que estamos meio paralisados. Paramos de avançar nas questões urbanísticas, e o lado social também não está as mil maravilhas. O índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), que leva em conta dados de educação, saúde e emprego e renda, mostra que estamos sendo ultrapassados. O relatório divulgado no ano passado nos coloca como a terceira capital mais desenvolvida, atrás de São Paulo e Vitória (ES). Mas, no ranking IFDM de 2005, estávamos em primeiro lugar entre as capitais. Além disso, entre as cinco primeiras de 2011, Curitiba foi a que menos evoluiu no período (veja a tabela abaixo).
Esta é uma cidade linda, mas está correndo o risco de ter mais defeitos do que qualidades. Já passou da hora de agir.
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