Em entrevista concedida a um grupo de jornalistas na quarta-feira (13), a presidente Dilma Rousseff não quis responder à pergunta: o que não faria de novo? Falou que é uma pessoa normal, e que deixaria de fazer 20 mil coisas, mas não quis responder nada específico. Citou o ator italiano Vittorio Gassman, que afirmou que gostaria de ter duas vidas – uma para ensaiar, outra para encenar. “Então, eu tinha de ter ensaiado. Mas fui obrigada a viver”, afirmou Dilma.
Dilma cometeu diversos erros na presidência, que tiveram impacto maior sobre a sociedade do que seus acertos, e por isso está sendo cobrada politicamente e juridicamente por seus atos.
É fato e notório que grande parte dos parlamentares que estão fazendo o julgamento político de Dilma devia estar na cadeia, mas isso não importa no momento – a fatura está aí, de responsabilidade do governo, e precisa ser paga.
Gostaria, porém, que a fatura cobrasse apenas os erros políticos e econômicos de Dilma. Por ser mulher, Dilma está pagando um preço maior do que um presidente homem pagaria.
Dias atrás, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que inclusive foi líder do governo e era porta-voz de Dilma no Senado, afirmou que ela estava “perdendo o equilíbrio”. Dilma se ressentiu do comentário machista e, na entrevista coletiva, ressaltou que homem algum é chamado de “desequilibrado”. Semanas atrás, a revista IstoÉ publicou uma reportagem em que relata supostas “explosões nervosas da presidente”.
Não estou dizendo para pegar leve no aspecto político, mas lamento a falta de respeito de caráter pessoal.
Se os políticos, opositores e a revista se concentrassem nos fatos concretos e técnicos contra Dilma, teriam centenas de discursos, páginas de reportagens e posts no Facebook com críticas e contestações. Só isso basta. Não é preciso apelar para ofensas pessoais e morais. Quando Dilma assumiu, vários analistas e estudiosos falaram sobre o impacto positivo de uma mulher assumir o principal cargo político do país. Não que a condução do governo tenha que ser diferente por isso, mas é altamente simbólico.
De novo: não quero entrar no mérito das críticas técnicas à Dilma, que existem às dúzias e são pertinentes. Mas lamento o ataque desmedido às mulheres. Algo que mesmo a competente ministra do STF, Cármen Lúcia, diz sentir na pele. “Muita gente acha que uma ministra deste tribunal não sofre preconceito. Mentira. Sofre. Há mesmo os que acham que aqui não é lugar de mulher.”
Lamento muito, ainda mais por esse tipo de preconceito não ser circunscrito ao Brasil – não é algo que possa ser atribuído apenas à falta de educação ou cultura.
O jornal britânico The Guardian montou uma comissão para avaliar 70 milhões de comentários deixados em seu site desde 2006, como forma de entender melhor o crescente assédio moral na internet. O achado é chocante: dos dez jornalistas mais atacados, oito são mulheres. Não porque elas sejam maioria: o número de artigos escritos por mulheres vem crescendo, no jornal e na mídia em geral, diz o The Guardian, mas a proporção é ainda inferior ao de homens.
Na reportagem, o The Guardian diz que, em vez de impedir comentários para evitar abusos, prefere falar a respeito, e tentar entender o que ocorre. Também aqui neste espaço, a intenção é debater o preconceito e, destrinchando-o, tentar diminuí-lo.
Dilma não ensaiou bem o papel de presidente, tampouco o executa da forma que seus milhões de eleitores esperavam – é isso que a enfraquece, não as críticas já esperadas de oposicionistas. Ela paga por isso, paga pelos erros cometidos. Mas não deve pagar a mais por ser mulher.
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