Morador de rua é assunto dificílimo de lidar. É pessoa vulnerável, mas quem caminha pelas ruas vazias e inseguras é que fica assustado. Ele não tem o suporte do poder público, mas muitas vezes é o próprio que desdenha das estruturas de apoio e prefere andar a esmo por aí, sem lenço nem documento, sem se explicar a ninguém. A calçada é quase como um patrimônio pessoal, mas comerciantes e moradores têm o direito de ter um lugar limpo para trabalhar e morar.
Em assuntos assim, que colocam vulneráveis e parte da sociedade em lados opostos, o poder público precisa dirimir conflitos, não criar novos. Certamente os prefeitos Rafael Greca e João Doria ficam felizes com os aplausos de apoiadores quando tomam medidas para restringir a movimentação da população de rua, mas não podem fechar os ouvidos a quem pede cuidado para não criar um fosso grande demais para ser fechado.
Tanto em Curitiba com em São Paulo, os prefeitos parecem ansiosos para mostrar algum resultado ao eleitorado que o elegeu. Lá em São Paulo, Doria parece estar realizando o sonho das balas Juquinhas: a cada dia veste uma fantasia diferente. Doria gari, Doria na cadeira de rodas, Doria no ônibus. A limpeza de grafites por São Paulo foi das ações mais polêmicas, mas falemos agora da revisão de um decreto municipal que proibia a apreensão de cobertores da população de rua pela guarda municipal.
Doria baixou novo decreto, sem a proibição. A norma foi adotada em 2015, quando muitos moradores de rua morreram de frio em São Paulo. Diante da repercussão negativa, o prefeito de São Paulo ressaltou que ninguém vai recolher cobertores de moradores de rua. Reconheceu que o decreto não está claro (omisso é palavra que explica melhor) mas disse que a norma não será refeita.
Cobertores mantidos, todo mundo feliz? Não. Funcionários da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania se rebelaram contra o decreto, que foi baixado sem conversa prévia. Isto é, os servidores que atuam diretamente com a população atingida não foram consultados.
Em Curitiba também houve iniciativa relacionada à população de rua no início da gestão. Rafael Greca mandou fechar um guarda-volumes da Praça Osório para a população de rua que havia sido instalado pela gestão de Gustavo Fruet. Tudo bem.
Isto é, partindo do princípio de que apenas 15 pessoas usavam o guarda-volumes da Praça Osório diariamente, conforme confirmado pela prefeitura. Talvez o equipamento para a população de rua não fosse necessário, já que era pouco utilizado. Talvez o mais indicado fosse mesmo deixar a praça livre para os usuários dos equipamentos esportivos. Talvez.
O que assusta não é tanto a decisão de fechar um equipamento para a população de rua que era pouco usado (há aqueles que querem governar para todos, outros não), mas a forma como o prefeito faz o anúncio. “Curitiba volta a ser Curitiba”, propaga Greca em seu perfil do Facebook. A frase pode ser livre interpretada ao gosto do freguês, podendo ser um elogio ou uma crítica.
A prefeitura, da sua parte, fez um texto ponderado, ressaltando que a “FAS concentra serviço de guarda-pertences na Rua Dr. Faivre”. O poder público precisa fazer exatamente isso: dirimir conflitos, explicar o que está fazendo.
Ah, mas o poder público falha bastante, e não é de hoje. Greca comemora que a “era Fruet” acabou, mas prefeitos de outras épocas é que precisam prestar contas sobre a situação que vivemos hoje.
Segundo levantamento da Fundação de Ação Social (FAS), a população de rua de Curitiba gira em torno de 1,7 mil pessoas. Dessas, 60% têm entre 25 e 44 anos. Do total, 60% não conseguiram concluir o ensino fundamental. São pessoas mais velhas, que não receberam a educação a que tinham direito quando crianças, décadas atrás.
Não sei da história de cada um, mas, generalizando, pode-se afirmar que as falhas na educação no passado explicam parte dos problemas vivenciados pela população de rua de hoje. Prefeitos de eras passadas, que não fizeram o suficiente, são responsáveis pela pobreza e vulnerabilidade de muitas pessoas que hoje vagueiam pela rua.
Quantos erros o poder público pode cometer com uma pessoa vulnerável ao longo da sua vida? Espero que haja um limite.
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