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R$ 100 milhões foram desviados, aproximadamente, da conta única do governo do Mato Grosso entre 2003 e 2012.

Na vida doméstica, temos muitas contas a pagar. A alimentação e moradia são essenciais, além do plano de saúde, imprescindível no Brasil, infelizmente. Esses são gastos correntes. Quando sobra um pouquinho, pode-se deixa-lo na poupança para um investimento futuro ou aderir a algum financiamento. A receita corrente, para a maioria das pessoas, se restringe ao salário no fim do mês.

Para os governos, a lógica é semelhante. Há milhões de gastos no dia a dia, e é preciso muito planejamento e controle para que sobrem recursos para investimentos em obras de infraestrutura, em mais universidades, em mais hospitais. Do outro lado está a receita, que, no caso dos governos, é oriunda da arrecadação e de transferências de outros entes. Agora, a questão essencial do momento: por que o governo do Paraná quer se apropriar de uma receita que não é sua para cumprir com suas obrigações?

A criação de uma conta única para gerir a contabilidade estadual é uma boa ideia. Voltando ao exemplo da vida doméstica: um casal precisa ser organizado para gerir duas contas-salário e uma terceira conta conjunta, destinada ao pagamento das despesas da casa. A contabilidade de um governo estadual, então, é algo mais complexo, e a unificação em uma única conta poderia facilitar o controle.

Poderia, porque não é regra. No ano passado, foi deflagrada uma operação no estado do Mato Grosso para apurar o desvio de R$ 100 milhões da conta única estadual, esquema que ocorria, pelo menos, desde 2003. Esse foi um caso isolado, mas surgem outras dúvidas em relação à conta única quando se vê que ela é vulnerável a todo tipo de manobra do governo federal, que a espicha e retorce em busca do superávit primário.

A questão da conta única é muito complexa e por isso exigia uma discussão mais abrangente. É uma vergonha que tenha sido aprovada em forma de tratoraço, e é uma pena para homens públicos como o governador Beto Richa, e o vice, Flávio Arns, terem participado disso.

O tratoraço já passou. O que ainda pode ser evitado é um monstro contábil, que se alimenta de recursos de terceiros. Há a possibilidade de os depósitos judiciais (pagos por pessoas em litígio processual) entrarem no Sistema de Gestão Integrada dos Recursos Financeiros do Paraná (Sigerfi). O governo do Paraná quer usar esse dinheiro para cumprir suas obrigações. É a mesma opção adotada pelo governo do Rio Grande do Sul, fato que tem gerado discussão naquele estado, pelo simples fato de ser ilegal.

O monstro contábil é perigoso porque o governo saca um dinheiro que não é seu e precisará devolver depois. O Sigerfi prevê o pagamento com correção, mas com que dinheiro o governo fará isso? Sacando novamente de uma conta que não é sua? Além disso, a OAB teme pela possibilidade de o governo pagar em precatórios, o que levaria até 20 anos.

Inconstitucional

Na verdade, um argumento apenas já seria suficiente para derrubar o modelo previsto no Sigerfi. É inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal (STF) já julgou procedentes, pelo menos, quatro ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) contra leis de Goiás, Mato Grosso, Amazonas e Rio Grande do Sul. A lei aprovada no Paraná não é exatamente como essas, mas lendo as decisões já é possível tecer algumas conclusões sobre o que pode e o que não pode.

Nos despachos das Adins (nº 2.855, 2.909, 3.125 e 3.826) os ministros do Supremo decidiram que: 1) não é possível afrontar o direito de propriedade do depositante, subtraindo-lhe o dinheiro; 2) não é possível usar rendimentos financeiros de depósitos judiciais como receita extra; 3) cabe ao Poder Judiciário a administração da conta única de depósitos judiciais e extrajudiciais; atribuir ao Poder Executivo essas funções viola o disposto no artigo 2.º da Constituição do Brasil; 4) lei que versa sobre depósitos judiciais é de competência legislativa exclusiva da União, por tratar de matéria processual.

Sabendo disso tudo, o que se pode dizer de um gestor que defende a apropriação dos depósitos judiciais?

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