Em uma discussão sobre quem veio antes, o ovo ou a galinha, dificilmente se chegará a um consenso. O mesmo pode se dizer acerca da decisão do governo federal em permitir a abertura de cursos de ensino superior apenas em regiões menos desenvolvidas.
Em fevereiro, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, apresentou o projeto do governo federal para regular a abertura de novos cursos de Medicina. A intenção do governo é descentralizar a oferta, já que as instituições privadas nunca trilhariam esse caminho. Como buscam o lucro, elas se instalam em áreas já desenvolvidas e superpopulosas, para ter clientela. O que é bem justo, diga-se.
Acontece que é papel do Estado garantir o desenvolvimento de suas localidades e reduzir as desigualdades regionais. Para isso, é preciso instalar universidades em áreas mais pobres, sim, porque as instituições de ensino são reconhecidamente multiplicadoras de riqueza nas regiões em que estão instaladas.
Há quem defenda, então, que o governo federal assuma essa responsabilidade e inaugure novas universidades federais nessas regiões deprimidas. Seria uma atitude louvável, se tivesse sido tomada no início do século passado. Agora não dá mais.
Explico-me: o Brasil é um dos países que mais gasta verba pública com o ensino superior, em detrimento do ensino fundamental. Não há condições de exigirmos novos cursos federais até que as deficiências dos anos iniciais sejam sanadas.
O que fazer, então? A iniciativa anunciada por Mercadante poderia se transformar em uma importante ferramenta de desenvolvimento, mas é preciso fazer uma série de ajustes antes.
Ainda que seja louvável o propósito do governo federal de levar mais médicos para regiões com carência de atendimento, não há como imaginar que o desenvolvimento local ocorra num passe de mágica apenas com a oferta de um curso de Medicina. Para atingir todo seu potencial, uma localidade precisa ter uma gama variada de cursos, que formem pessoas nas diferentes áreas de exatas, humanas, ciências e tecnológicas.
Então, para que essa iniciativa do governo federal realmente dê frutos, é preciso aperfeiçoá-la. Mas não abandoná-la. O Conselho Federal de Medicina (CFM) tem feito uma severa oposição à medida, dizendo que não é viável a criação de cursos em locais subdesenvolvidos.
Aí entra a pergunta inicial: o que veio antes, o ovo ou a galinha? Não é possível imaginar que uma localidade se desenvolva plenamente sem ter um curso universitário caminhando junto, formando pessoas, atraindo cérebros. Essas mesmas pessoas, mais esclarecidas e conscientes de seu papel na sociedade e de seus direitos, darão novos rumos para as associações de moradores, os conselhos de educação e saúde. Essas pessoas serão o público das audiências públicas que definirão que obras são necessárias para a região em questão. Qual seria a outra opção? Gastar milhões do orçamento do governo federal para construir estradas, escolas e hospitais em cidades com 20 mil habitantes, para depois, no risco, esperar que mão de obra qualificada e faculdades privadas se instalem?
Claro que o ideal seria que o governo federal oferecesse essa infraestrutura básica, mas não quero defender uma utopia, e sim soluções viáveis.
Exigências
O CFM reclamou muito do projeto lançado pelo governo federal, mas há que se destacar que a intenção não é permitir a abertura de cursos de Medicina em qualquer lugar. Segundo o Ministério da Educação, há nove exigências mínimas para uma localidade receber um curso.
Aqui vão as principais: a) pelo menos cinco leitos disponíveis por aluno e vínculo com hospital de ensino, com pelo menos 100 leitos exclusivos para o curso; b) existência de leitos de urgência e emergência ou pronto socorro; c) existência de pelo menos três programas de residência médica nas especialidades prioritárias; d) adesão pelo município ao Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica (PMAQ); e) existência de Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).
Reforçando: é preciso descentralizar a oferta de todo o tipo de curso, não só os de Medicina. Mas não dá para aceitar que uma entidade como o CFM faça tantas críticas rasas e superficiais, sem se preocupar com o desenvolvimento do interior do Brasil.
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