Há muitas críticas às iniciativas tomadas pelo presidente Michel Temer no presente e no passado, mas, em nome de um texto mais esperançoso de fim de ano, falemos de algo positivo: o programa Criança Feliz, que tem a primeira-dama Marcela Temer como embaixatriz.
Bom, desejo que o programa seja bem executado e tenha resultados positivos; por enquanto, ainda está em fase de implantação. Funcionará assim: estados e municípios assinam termo de adesão com o ministério, recebem um dinheiro (o valor liberado é uma miséria, R$ 240 mil para cada estado) para contratar especialistas, que treinam equipes que farão visitas domiciliares para acompanhar o desenvolvimento das crianças.
Nas famílias beneficiárias do Bolsa Família, o acompanhamento será do pré-natal até a criança completar 3 anos; para aquelas que recebem Benefício de Prestação Continuada, as visitas seguem até os 6 anos.
O objetivo é contribuir plenamente para o desenvolvimento integral da criança, com estímulos adequados e desenvolvimento de habilidades. É bem bacana, mas o mais relevante é que o investimento na primeira infância é tudo menos assistencialismo barato. Além das crianças serem fofas e necessitarem de toda nossa atenção e carinho, as políticas públicas para primeira infância se justificam em nome do capital social de um país e do retorno econômico que isso trará.
Já faz algum tempo que pesquisas indicavam o impacto positivo que o desenvolvimento adequado nos primeiros anos proporciona na vida adulta. Mas foi só recentemente que os resultados se confirmaram e os países passaram a implementar políticas públicas direcionadas a essa fase. Não se trata de programas de educação formal (muito menos resolve o grave problema de falta de creche das grandes cidades brasileiras), mas de estímulos a partir de atividades lúdicas. Brincar, basicamente.
Em 2014, uma pesquisa publicada na Lancet mostrou os efeitos de longo prazo sobre bebês na Jamaica que receberam acompanhamento específico por 2 anos, entre 1986 e 1987. O programa se baseava em visitas semanais para ensinar “habilidades parentais” e encorajar mães e crianças a interagir de forma a desenvolver habilidades cognitivas e socioemocionais. Vinte anos depois, os pesquisadores identificaram incremento de 25% nos rendimentos dos participantes do programa, em comparação a outros que não receberam o estímulo monitorado.
Quem tem a felicidade de conviver com crianças consegue ver instantaneamente como o estímulo e o carinho contribuem para que elas façam e digam coisas fantásticas. Mas nem sempre os pais conseguem ajudar nessa tarefa, seja por dificuldades econômicas, falta de tempo ou desconhecimento.
Com uma política pública, as famílias mais vulneráveis serão orientadas a como proceder e, espero, recebam informações sobre a importância desse acompanhamento para interromper o círculo de pobreza que se perpetua em muitas famílias. Os pais trabalham, mal cuidam dos filhos, não há vaga na creche, quem cuida não tem a paciência devida, a criança vai sendo negligenciada, sem desenvolver habilidades que poderiam melhorar sua renda no futuro. Quando formar uma família, acaba repetindo o mesmo padrão, na desesperança e desconhecimento de que o futuro pode ser melhor.
O desafio é implementar a política pública e garantir os recursos para ela, em proporção muito acima do que foi liberado inicialmente.
Cuba
Marcela Temer roubou a cena no lançamento do Criança Feliz (para o bem e para o mal). Mas o projeto é do ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, que se inspirou em um projeto de Cuba.
Terra é deputado federal licenciado (PMDB-RS) e médico de formação, ligado ao desenvolvimento da primeira infância. Foi secretário estadual de Saúde no Rio Grande do Sul, e lançou o Primeira Infância Melhor, em abril de 2003. Segundo o boletim comemorativo de 10 anos, foi utilizada a metodologia do programa “Educa a tu Hijo”.
Sim, Marcela está apadrinhando um programa nascido em Cuba. E daí? O que funciona e dá resultado deve mesmo servir de inspiração e ser replicado em outros lugares.
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