A cidade do Rio de Janeiro continua linda, apesar das dezenas de obras incompletas que dificilmente ficarão prontas para os Jogos Olímpicos. Aliás, a esta altura, melhor que não fiquem – a ciclovia que desabou na Barra da Tijuca e recentes delações premiadas levantam todo tipo de suspeita sobre a lisura das empreiteiras contratadas e a qualidade dos materiais usados.
A cidade do Rio de Janeiro continua linda, mas os governantes locais e estaduais, quantos vexames... O mais recente até passou batido, em meio a tantas maracutaias, propinas e fraudes que temos no Brasil, mas é um dos episódios mais surreais da gestão pública dos últimos tempos.
Na sexta-feira (17), o governo fluminense decretou “estado de calamidade pública no âmbito da administração financeira”. Bom, como esse termo foi inventado, pois a legislação brasileira relaciona os casos de calamidade apenas aos desastres naturais, o governador em exercício, Francisco Dorneles (PP), poderia ter feito outro decreto, como “estado de passar o chapéu no âmbito da penúria financeira”.
O decreto (45.692/16) foi usado como forma de dar uma roupagem legal ao pedido de socorro do Rio de Janeiro, mas ele é considerado inconstitucional por muitos especialistas. O artigo 2º do texto diz que “ficam as autoridades competentes autorizadas a adotar medidas excepcionais necessárias à racionalização de todos os serviços públicos essenciais, com vistas à realização dos Jogos”.
Ao G1, o constitucionalista Flávio Pansieri sintetizou bem o absurdo da coisa. Ora, o governo do Rio de Janeiro diz que precisa garantir a realização da Olimpíada, um evento privado, e não público. “Isso não é fundamento para contingenciamento de receitas vinculadas constitucionalmente, que são saúde, educação, previdência e assistência social”, disse.
O Ministério da Integração Nacional é o responsável por reconhecer os decretos de emergência ou calamidade pública e com isso fazer a liberação de dinheiro. Questionado na segunda-feira sobre a iniciativa do governo fluminense, o órgão disse que o assunto estava sendo tratado pela Fazenda. Neste ministério, a resposta extraoficial foi: ainda não havia solução para o pedido de socorro, pois foi usado um expediente inesperado e inédito.
O governo federal resolveu a questão editando uma medida provisória na quarta-feira (21), que dispõe sobre “a prestação de apoio financeiro pela União ao Estado do Rio de Janeiro para auxiliar nas despesas com Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro decorrentes dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016”.
O grande problema do Rio de Janeiro não é a Olimpíada em si, mas o descaso histórico de seus governantes com as finanças públicas. Habituados com a riqueza do petróleo, nunca controlaram efetivamente os gastos. E nem querem: depois da Lei Federal nº 12.734/12, determinando nova regra de distribuição dos royalties e das participações especiais, de forma a beneficiar todos os estados, o governo do Rio de Janeiro recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde conseguiu uma liminar com a ministra Cármen Lúcia, que manteve a sistemática antiga.
A liminar ainda não foi submetida ao plenário. A Procuradoria-Geral da República (PGR) contesta as alegações do Rio de Janeiro. Argumenta que os recursos naturais são da União e que ela pode compartilhar os frutos de sua propriedade com todos os entes federados. Diz que é consenso a inexistência de impactos econômicos e sociais decorrentes da produção de petróleo a grandes distâncias da costa.
A PGR também questiona a argumentação de que o dinheiro recebido é necessário para fazer poupança e investimentos que vão permitir a sustentação da renda após o fim da exploração do petróleo.
O momento atual é de baixa do petróleo, e todos estamos vendo que os royalties foram todos gastos e nada foi poupado. A saída, obviamente, não está nos decretos de calamidade.
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