Se treino é treino e jogo é jogo, precisamos de campanhas eleitorais? Durante a ressaca mundial com a vitória de Donald Trump, políticos e comentaristas disseram que ele exagerou nas promessas de campanha, mas que na hora de governar os Estados Unidos será mais moderado.
Para que servem as campanhas eleitorais, então? Para enganar o eleitor? Não é possível aceitar que se fale qualquer coisa durante a disputa por um cargo, com a desculpa de que “treino é treino”.
Em Curitiba, o prefeito eleito Rafael Greca também já se mostrou arrependido com as promessas que fez na campanha. Na semana passada, postou no Facebook que jamais falou em zerar a fila de consultas especializadas. Tanto falou que foi material de vídeo de campanha e do seu programa de governo, disponível para todo mundo que quer ver.
O próprio prefeito eleito falou que a promessa era uma “sandice”. Se não é possível confiar nas promessas eleitorais feitas, no que se fiar, então? Isso vale para os outros candidatos, que não passam por esse escrutínio pós-eleitoral pelo simples fato de não terem vencido a disputa.
Os eleitos, porém, não têm escapatória: precisam dizer como cumprir com as promessas.
Bom, esse era o padrão. O episódio de Greca é preocupante porque, na primeira cobrança, faz como se a promessa não fosse dele. Quem questiona é automaticamente visto como “do contra”, rótulo celebrado por políticos que não gostam e não querem dar explicações à sociedade. Eles bem sabem (mas fingem esquecer) que questionamentos do tipo servem ao propósito da moralidade na administração pública. Quando defendem a Operação Lava Jato, tecem louros ao trabalho da imprensa e do Ministério Público. Mas, se os próprios viram alvo de questionamentos ou investigação, dizem que é intriga da oposição.
Lembrando: faz parte do dever da imprensa e da sociedade civil organizada fiscalizar a ação dos governantes.
Greca e Trump vão tomar posse em janeiro. Precisam conciliar as expectativas criadas durante a campanha com a realidade cruel da administração pública. Se conseguirem, melhor para todo mundo, mas isso não tira da imprensa a responsabilidade de usar o olho crítico sempre.
Curiosamente, aquele que foi chamado de “Trump brasileiro” pelo jornal Washington Post, o prefeito eleito de São Paulo, João Doria, está quebrando a cabeça para tentar manter a palavra dada durante a campanha. Comprometeu-se a manter a tarifa de ônibus em R$ 3,80. Criou um problema para o padrinho, Geraldo Alckmin. A passagem de ônibus e de metrô tem o mesmo valor, mas o governo de São Paulo subsidia o transporte subterrâneo. Ou a tarifa fica congelada – o que exigiria um aporte maior de recursos públicos do caixa estadual – ou ela sobe, o que pode provocar queda no número de passageiros e redução de arrecadação, já que uma boa parte migraria para o ônibus, caso a tarifa permaneça em R$ 3,80.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico publicada em 11 de outubro, Doria disse que pediria ajuda ao governo federal para manter a tarifa congelada. Para ele, a medida seria do interesse para o Planalto, uma vez que o custo do transporte público em São Paulo tem peso sobre a inflação. Na época estava bastante otimista. “Estamos contribuindo para o processo de redução inflacionária. O impacto da tarifa aqui tem impacto na inflação do país. Toda contribuição tem seu preço.”
O discurso mudou um pouco após 25 de outubro, quando Doria se reuniu com Michel Temer. O prefeito eleito de São Paulo disse que manterá a tarifa congelada mesmo sem ajuda do governo federal. Não se sabe ainda o desfecho da questão, mas ao menos, Doria está gastando sola de sapato para tentar cumprir o prometido.
Trump precisa tentar cumprir as promessas também, por mais absurdas, cruéis e impactantes que sejam. Se ele vai conseguir ou não, isso é outra história. O ponto é que a política é feita com base na confiança e expectativa. Se os eleitos desdenharem do que prometeram durante as campanhas, o descrédito dos cidadãos com a política só aumentará, causando ainda mais danos aos regimes democráticos.
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