Se eu fosse presidente de um país que estivesse no meio de um enorme conflito político, econômico e moral, eu renunciaria. Mesmo que não tivesse cometido nenhum crime, mesmo que, pela minha índole, não fosse do tipo que foge de batalhas. Mesmo que, recentemente, eu tivesse me esforçado muito para corrigir alguns rumos. Mesmo com a convicção de que a vitória das urnas é soberana, e que não é a oposição, nem pesquisas de opinião, nem algumas manifestações, e muito menos o mercado financeiro que pode me dizer o que fazer.
Mesmo tendo a consciência tranquila, eu renunciaria. Não para ser mártir, nem vítima. Mas para ser o gatilho de mudanças profundas que precisam ser feitas neste país cheio de conflitos.
Tomaria a drástica decisão não por cansaço; afinal, por mais extenuante que fosse governar um país com um histórico de desigualdades e injustiças, teria forças para fazer o papel ao qual me incumbiram milhões de brasileiros, até o fim.
Muitos me veriam como covarde, é verdade, ou como traidora. Meus eleitores ficariam decepcionados, no mínimo. Pediria desculpas, e que me entendessem.
Outros tantos comemorariam, e isso doeria bastante. Meus opositores ficariam exultantes. Pediria calma, e respeito.
Seria esse meu caminho, caso já tivesse tentado, por diversas vezes, reduzir alguns gastos bilionários, mas tivesse sido barrada, sucessivamente, por parlamentares. Seria minha escolha, por ter consciência de que não é possível governar um país sendo constantemente tripudiada por aqueles que deveriam zelar pela nação tanto quanto eu, como os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado.
A renúncia seria uma opção caso meu próprio partido tivesse me virado as costas, e também votado contra meu posicionamento em questões importantes. Decidiria sair, caso tivesse conhecimento de todos os comentários a meu respeito feitos pelo principal líder do meu partido, aquele que me conduziu até o principal posto da República.
Renunciaria por reconhecer que, mesmo legitimamente eleita, uma parcela importante da população me questiona diariamente – independentemente dos bons projetos que eu possa apresentar, independentemente dos ganhos sociais que eu já proporcionei. Por reconhecer que a parcela da população que votou em mim também me questiona; afinal, um ajuste fiscal não condiz com minhas origens políticas.
Sairia por vontade própria, por entender que as forças políticas estão se movimentando para um processo de impedimento o qual, mesmo sem sustentação jurídica, mesmo que no fim não resulte em nada, dividiria ainda mais a sociedade, traria ainda mais desconfiança e riscos para a democracia. Sairia porque essas forças políticas, sem se dar conta da gravidade que é um processo de impeachment, abririam brechas para que qualquer governante fosse questionado. Sairia porque tudo indica que mesmo que as forças políticas cometam irresponsabilidades e atentem contra a democracia, tudo isso seria relevado, em nome do ódio e rancor contra mim e o meu partido.
Se eu fosse presidente, renunciaria. Por resignação. Por entender que, neste momento, o país precisa de um ato simbólico. De uma ruptura. E que, pelo bem da democracia, seria melhor que a presidente conduzisse esse rompimento.
Antes de renunciar, porém, faria ao menos três coisas.
Diria à população que a troca do Comandante em Chefe de uma nação não funciona como um passe de mágica. Que os problemas que existem hoje permanecerão se não forem tomadas medidas a respeito. Que a política desse país funciona sim na base do toma-lá-dá-cá. Que manter dezenas de ministérios e cargos comissionados não é desejo de um presidente apenas, mas uma demanda das dezenas de partidos que fazem parte do jogo democrático da nação.
Convocaria o Congresso a fazer uma revisão de fato da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). Para termos uma sociedade mais justa e igualitária, é preciso cortar grandes benefícios que privilegiam pequenos grupos.
E convocaria o Congresso a votar a regulamentação do direito de greve no poder público, para que ficasse claro, de uma vez, o que podem e não podem os servidores que querem paralisar serviços tão essenciais.
Depois disso, renunciaria.
Mas, se eu fosse presidente de um país em meio a um enorme conflito político, econômico e moral, provavelmente estaria preocupada demais com cargos, favores, minha honra, o Congresso, golpes e tudo o mais, e não teria tempo e serenidade para tomar uma decisão dessas.
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