0,4% da população brasileira era composta de imigrantes em 2010, segundo o Banco Mundial. Valor bem abaixo da média mundial (3,2%) e ainda mais longe da média (10,7%) dos 31 países ricos que fazem parte da OECD.

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Centenas de pessoas, frustradas pela falta de oportunidades em sua terra natal, decidem migrar para um país mais rico, atrás de trabalho e melhores salários. A maioria entra ilegalmente, porque não consegue um visto. As autoridades temem um colapso e a população fica assustada, achando que os migrantes vão roubar seus empregos – os mais preconceituosos já pensam que o alvo será a carteira mesmo.

A descrição até pode se parecer com o que ocorre atualmente na fronteira do Acre com os vizinhos latino-americanos, por onde centenas de haitianos estão ingressando no Brasil. Mas, na verdade, há uma grande diferença: quem deixa o Haiti – país assolado pelo terremoto de 2010 e por diversos problemas sociais anteriores e posteriores ao tremor da terra – tem todo o direito de entrar legalmente pelo Brasil. As normas constam das resoluções n.º 97/2012 e 102/2013 do Conselho Nacional de Imigração. O visto é liberado por questões humanitárias, em função das dificuldades vividas naquele país. Desde 2010, cerca de 10 mil haitianos entraram no Brasil, e praticamente todos estão em situação legal.

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O primeiro parágrafo desta coluna descreve, na verdade, um caminho trilhado por milhares de brasileiros a partir da década de 1980. Nós não passamos por nenhuma tragédia climática (se bem que os solavancos econômicos e sociais gerados por alguns governos quase produziram estragos semelhantes) e por isso não tínhamos direito a nenhum visto humanitário. Mas a falta de oportunidades motivou milhares a migrar. Era e continua sendo difícil entrar em um país rico, e mais difícil ainda viver por lá, quer seja a América, a Europa ou a Ásia. O preconceito relatado no início do texto atingiu muitos brasileiros – sem contar outros impropérios às mulheres.

A economia do Brasil cresceu e deixamos de ser apenas um país emissor de pessoas. Muitos brasileiros continuam emigrando, mas agora somos também um país receptor.

Não estamos sendo muito receptivos, entretanto. Famílias de haitianos que moram em Curitiba relatam que são alvo de muito preconceito, como se não bastasse toda a burocracia e dificuldade idiomática que enfrentam.

A situação é curiosa, para não dizer triste. A maioria de nós provavelmente conhece alguém que já foi para o exterior, tentando refazer a vida em um lugar estranho ou mesmo com planos de apenas passar um tempo fora e depois retornar com o dinheiro economizado. Mesmo quem não tem conhecidos nessa situação pode imaginar as dificuldades para se encontrar uma residência com aluguel acessível, as barreiras para se comunicar corretamente, para encontrar trabalho ou para se locomover. Imaginem tudo isso agravado pelo descaso do poder público e pela desconfiança da comunidade local – os quais precisam da mão de obra migrante para determinados serviços, mas acham que podem tratar essa pessoa como um cidadão de segunda classe.

Daqui do Brasil, ao saber dessas histórias, nos indignamos com a política anti-imigração dos países ricos. Ficamos, com razão, revoltadíssimos quando a Espanha adotou um esquema de controle de brasileiros nos aeroportos, trancafiando algumas pessoas que consideravam "suspeitas" ou que não tinham em mãos uma cota mínima de euros.

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Agora nós brasileiros, sempre tão receptivos e generosos, vamos passar por um teste de fogo. Receberemos bem os estrangeiros que vêm para cá? Todos eles? Ou trataremos alguns – justamente os que mais precisam de auxílio humanitário – como pessoas inferiores?

Se não for por razões humanitárias, os mais pragmáticos podem pensar no aspecto econômico. A abertura do país à mão de obra estrangeira ajudará a reduzir o preço dos serviços, contribuindo na queda de braço com a inflação. Fato é que, de uma forma ou de outra, temos de nos acostumar aos novos tempos.

Esse cara sou eu

Vale a pena mencionar que essas observações são de uma brasileira que já migrou para a Itália e, apesar de estar em situação legal e conhecer bem o idioma, passou maus bocados por lá.