Deputados federais que integram a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara articulam alterações na Lei Anticorrupção para aliviar empresas corruptas e punir apenas os administradores que cometerem irregularidades. Sob o argumento de preservar empresas nacionais, ensaiam-se mudanças na lei que passou a valer em janeiro e que determina que empresas podem até ser fechadas, dependendo da gravidade dos delitos. A medida abre um abismo entre os que defendem o relaxamento da legislação, argumentando com interesses econômicos nacionais, e os que veem nisso apenas uma manobra para impedir que se crie uma cultura anticorrupção no Brasil.
Multas as 23 empresas da Lava Jato podem chegar a R$ 13 bilhões
Acusadas de provocar um rombo de R$ 6 bilhões na Petrobras, as 23 empresas investigadas na Operação Lava Jato podem ser multadas em até R$ 13 bilhões pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), ligado ao governo federal.
Leia a matéria completaAs articulações para mexer na Lei Anticorrupção ganharam força durante audiência da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara, realizada na quinta-feira (11) em Brasília para discutir os efeitos da Operação Lava Jato, que investiga desvios na Petrobras. O presidente da Comissão, deputado Vicente Cândido (PT-SP), defende que administradores devem ser punidos, mas as empresas não, desde que reparem os danos causados. Ele admite a mobilização para mexer na lei. “Estamos trabalhando para aprimorá-la, para que ela possa suportar acontecimentos como a Lava Jato”, diz o parlamentar.
“A solução não é mudar a lei”, diz especialista
A ONG Contas Abertas alerta que a tentativa de mudar a Lei Anticorrupção é a segunda movimentação para livrar empresas investigadas na Operação Lava Jato, que apura desvios na Petrobras. “A primeira tentativa foi fazer acordos de leniência na Controladoria Geral da União, sem sucesso. Agora querem mudar a lei que foi criada para combater a corrupção e usar essa mesma lei para salvar empresas corruptas”, afirma Gil Castelo Branco, secretário-geral da Contas Abertas. “Querem mudar o caminho da salvação. Quando esses parlamentares perceberam que a lei estava sendo usada para punir as empresas, passaram a querer mudar a lei”, diz ele.
Gil Castelo Branco considera “falacioso” o argumento de que punir empresas vai quebrar o Brasil. “A empresa, mesmo inidônea, fica impossibilitada de fazer novos contratos com a administração pública, mas continuará mantendo os contratos que já possui. A construtora Delta, por exemplo, foi declarada inidônea e recebeu R$ 143 milhões da União no ano passado”, justifica.
Nem mesmo o argumento de que salvar as empresas é salvar empregos empolga Gil Castelo Branco. “Se alguma empresa está em dificuldade porque perdeu acesso a linhas de crédito privilegiadas no BNDES, que venda ativos, se ajuste à nova realidade. Não é o Estado que tem que resolver os problemas de empresas que se meteram em corrupção. A solução não é mudar a lei, que é muito nova”, afirma. (LL)
Cândido considera que a Lei Anticorrupção é um avanço, mas que foi superada pelos fatos. “Se fôssemos julgar as empresas da Lava Jato pela Lei 8.666 [Lei das Licitações], não nos restaria alternativa a não ser declará-las inidôneas [o que as impediria de firmar contratos com o poder público. A Lei Anticorrupção já prevê a possibilidade de um acordo de leniência”, afirma. A celebração desse acordo reduz as multas em dois terços e permite à empresa continuar recebendo incentivos, subsídios, subvenções, doações e empréstimos de instituições públicas, financeiras ou não.
Uma das possibilidades discutidas na Câmara é alterar o artigo 16 da Lei Anticorrupção, para permitir que mais de uma empresa se beneficie de acordo de leniência. Hoje isso é possível apenas para a primeira empresa a manifestar interesse em cooperar na apuração dos ilícitos.
Mas o fundamental para livrar as empresas de punições é mudar o artigo 2.º da Lei Anticorrupção, que diz claramente que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas pelos atos lesivos praticados. “Queremos mudar esse conceito para adequá-lo ao princípio constitucional da responsabilidade social das empresas, para que possam continuar gerando riquezas e empregos”, explica Cândido.
O deputado diz não temer que mudanças na Lei Anticorrupção antes de seu primeiro aniversário sejam interpretadas como um “liberou geral” para a corrupção empresarial. “No Congresso temos parlamentares denunciados por diversas irregularidades. O correto é punir parlamentares ou fechar o Congresso?”, questiona.
Defensores da ideia apelam para discurso nacionalista
O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil da Bahia, Carlos Henrique Passos, considera “necessário” fazer mudanças na Lei Anticorrupção para separar as punições às empresas que cometerem crimes contra a administração pública e aos seus administradores.
“Há necessidade de separar as empresas de seus administradores. Como será feito, vai depender da lei, que definirá critérios prévios e procedimentos posteriores para as empresas investigadas”, afirma o líder empresarial, que na quinta-feira passada (11) participou da audiência na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara representando a Federação das Indústrias da Bahia.
Passos não vê com bons olhos a substituição de empresas brasileiras por estrangeiras na área da engenharia. “Além dos empregos, tem a questão da tecnologia, que é o que agrega valor nesse segmento. Temos empresas altamente qualificadas, que atuam em 30 países no exterior. Precisamos aumentar o valor agregado em nossas exportações e a engenharia agrega esse valor”, diz.
A defesa das empresas nacionais é estratégica, na visão dele. “Queremos uma sociedade mais civilizada, com maior renda e qualidade de vida. Não teremos isso com uma economia baseada apenas em produtos primários”, diz. “Temos que considerar também a ameaça das construtoras chinesas, que estão atuando na África inclusive com operários chineses, até em condições degradantes.”
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